Imagem De Destaque

O ensino de flauta doce na Escola Pública

Francinedias

Franciane Dias da Silva

Graduada em Licenciatura em Música pelo IF Sertão – PE. Professora de Música do Colégio Geo Juazeiro – BA e regente de coral pela mesma Instituição. Tem experiência na área de Educação e Performance Musical, Instrumentos de Sopro, e na área de Artes, participando de vários cursos nesses segmentos. Cursou a disciplina de Gestão e Organização da Educação Básica no Brasil pelo Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (PPGFPPI) na Universidade de Pernambuco (UPE) – Campus Petrolina.

E-mail: francianediassax@gmail.com

INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto de uma experiência realizada no subprojeto de Música no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) que incentiva a formação docente em nível superior e concede bolsas para os alunos de licenciatura participantes, desenvolvido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF Sertão – PE).

Em linhas gerais, as aulas de música na Escola Jacob Ferreira objetivaram desenvolver a prática musical no ambiente escolar, por meio do instrumento flauta doce, introduzindo a teoria básica da música. Especificamente, buscou-se ensinar as técnicas básicas deste instrumento de sopro, introduzir as noções iniciais de partitura, promover o contato com outros instrumentos musicais e ferramentas tecnológicas específicas da área, ampliar o repertório musical dos educandos, levando em conta a diversidade cultural, o regionalismo e contexto social que eles estão inseridos, desenvolvendo o processo de ensino-aprendizagem da música.

Nas últimas décadas debateu-se intensamente a importância da música nas escolas de educação básica, assim como os conteúdos, metodologias e atuação do educador musical, objetivando a formação plena do indivíduo.

Desde a aprovação da Lei n.º 11.769/08, que tornou o ensino de música obrigatório na Educação Básica, ampliaram-se as discussões na área, buscando cada vez mais a reflexão, estruturação e implantação da educação musical na escola regular, bem como a formação de profissionais habilitados à docência para atuar neste segmento especificamente. Nesse sentido, Penna argumenta:

[…] não cabe esperar que essa nova lei gere automaticamente transformações na prática pedagógica cotidiana. A realização efetiva das possibilidades que se abrem para a música na escola depende de inúmeros fatores, inclusive do modo como atuamos concretamente nos múltiplos espaços possíveis. (PENNA, 2015, p.142).

A proposta de inserção da música no ambiente escolar no Brasil foi criada no governo de Getúlio Vargas (1930-1945) com o Canto Orfeônico, conduzido pelo compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos que buscou socializar o ensino musical, utilizando um repertório de peças folclóricas brasileiras. Nesse contexto, Villa-Lobos fala da importância do canto em conjunto na educação social infantil:

O povo é, no fundo, a origem de todas as coisas belas e nobres, inclusive da boa música! […] Tenho uma grande fé nas crianças. Acho que delas tudo se pode esperar. Por isso é tão essencial educá-las. É preciso dar-lhes uma educação primária de senso ético, como iniciação para uma futura vida artística. […] A minha receita é o canto orfeônico. Mas o meu canto orfeônico deveria, na realidade, chamar-se educação social pela música. Um povo que sabe cantar está a um passo da felicidade; é preciso ensinar o mundo inteiro a cantar. (VILLA-LOBOS, 1987, p. 13 apud FUCCI AMATO, 2007, p. 8).

Para Queiroz (2009), criar, vivenciar, apreciar e interpretar músicas são práticas que devem constituir a base das aulas de música. Desse modo, foram elaboradas atividades musicais no Pibid Música direcionadas às crianças de maneira prazerosa e prática, através do instrumento flauta doce, com o intuito não de transmitir uma técnica particular, mas de desenvolver o gosto pela música e aptidões na linguagem.

A flauta doce é um dos instrumentos mais antigos que existe e bastante utilizado nas instituições de ensino, seja em colégios privados ou escolas regulares, em iniciação musical ou performance profissional, devido ao seu baixo custo de aquisição, facilidade na aprendizagem, inclusão de qualquer faixa etária e possibilidade de vários formatos de grupo. É também explorado na apreciação musical de alunos em qualquer nível de aprendizado musical. (CUERVO, 2009 apud GUMS; KANDLER, 2014, p. 8).

METODOLOGIA

O subprojeto de música foi realizado na Escola Municipal Jacob Ferreira que está localizada na Rua 13, s/n, bairro Cosme e Damião, em Petrolina (PE), sendo beneficiada com o ensino musical na educação básica durante o ano de 2017. A Escola conta com 665 alunos matriculados, sendo 339 no Ensino Fundamental I, 276 no Ensino Fundamental II, e 50 no EJA – Educação de Jovens e Adultos. Sobre a infraestrutura, dispõe-se de: 14 salas de aulas, sala de diretoria, sala de professores, sala de secretaria, laboratório de informática, sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), quadra de esportes coberta, cozinha, biblioteca, banheiro comum, banheiro adequado a alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, despensa e pátio coberto.

As turmas escolhidas foram as de 2º e 3º anos do Ensino Fundamental I, com alunos variando idade entre sete e nove anos e nove e onze anos, respectivamente. A razão desta escolha foi que estas duas turmas ainda não tinham vivenciado teoria musical e flauta simultaneamente na escola. Cada sala era composta por, aproximadamente, 25 estudantes.

As aulas foram realizadas no período de 10 de agosto a 07 de dezembro de 2017 no horário da manhã, uma vez por semana, com quarenta e cinco minutos de aula em cada turma. Na maioria das vezes estas aulas aconteceram nas dependências da biblioteca por ser este um ambiente maior e climatizado com ar condicionado, o que colaborava para a concentração dos alunos. Quando as aulas eram feitas nas próprias salas das turmas o aproveitamento não era satisfatório, visto que o espaço era menor, o ventilador fazia muitos ruídos, além de que o teto era de telhado comum, sendo possível se ouvir o barulho da sala vizinha, o que contribuía para dispersão dos estudantes.

O planejamento das aulas foi organizado em todo o mês de julho de 2017. Optou-se por utilizar o método de flauta doce simplificado e prático da autora Nereide Schilaro Santa Rosa, intitulado de Flauta Doce: método de ensino para crianças, publicado em 1993. Utilizou-se também, um repertório infantil, envolvente e familiar às crianças, e o auxílio da tecnologia para facilitar a aprendizagem das canções. Com esse enfoque, Penna reforça:

[…] é através do modo de ensinar que podemos selecionar e organizar os conteúdos de acordo com a capacidade cognitiva e os interesses dos nossos alunos; planejar atividades que motivem a turma e, ao mesmo tempo permitam o desenvolvimento de suas habilidades/capacidades; empregar os recursos disponíveis, mesmo que limitados, em função do processo educativo etc. (PENNA, 2012, p. 14.).

Com essa proposta foram utilizados como recursos de aprendizagem: (1) quadro branco e pincel, (2) método de ensino de flauta doce para crianças, (3) flautas doces, (4) violão acústico, (5) programa musical de acompanhamento inteligente no computador – Band In A Box (BIAB), (6) caixa de som multifuncional de 40 watts, (7) e microfone.

O Pibid Música disponibilizou, como material de consumo, 23 flautas doces que foram cedidas até a finalização dos trabalhos na Escola, facilitando a prática dos alunos que não tinham condições financeiras de adquirir o instrumento. Outros poucos decidiram por comprar a própria flauta. As flautas eram entregues para as crianças, que as utilizavam durante a aula do dia, sendo devolvidas ao final. A cada troca de turma, as flautas eram limpas com álcool, fazendo-se, assim, a assepsia desse material.

A estruturação das aulas foi distribuída em três momentos: primeiro momento: canção de boas vindas para descontração e interação entre todos; segundo momento: recapitulação da aula anterior para fixar os conteúdos, com e sem flauta; terceiro momento: novo conteúdo com prática da flauta doce e música; quarto momento: relaxamento e canção de despedida.
Nas primeiras aulas as crianças aprenderam sobre a anatomia do instrumento, postura, respiração e digitação dos dedos. No início, elas demostraram bastante agitação com a novidade da música na Escola, mas com o tempo foram se habituando e depois já sabiam se organizar para o momento da aula.

Logo na segunda aula foi ensinada a canção “A Galinha do Vizinho” (Folclore), utilizando somente a nota “Si” e as figuras rítmicas “Mínima e Semínima”, a fim de motivar os alunos desde o princípio para o conhecimento da teoria, através das notas e figuras musicais, e a prática instrumental com a flauta doce, auxiliada pelo violão como acompanhamento harmônico.

Figura 1 – A Galinha do Vizinho (Folclore)
Fonte: ROSA,

Nas aulas posteriores foram apresentadas as notas “Lá, Sol e Dó agudo” e a rítmica das figuras “Colcheia e Semibreve”, nesta sequência, sempre associadas às músicas infantis de domínio público e conhecidas pelas crianças, para maior fixação das posições de cada nota.

Algumas canções populares brasileiras foram interpretadas pela Autora em momentos de descontração, com o objetivo de apreciar de outras melodias e harmonias, e influenciar os estudantes a praticarem o canto coral. Dessa maneira, foi possível abranger as habilidades musicais com a utilização da voz enquanto instrumento, paralelamente ao uso da flauta. As músicas de cunho popular apresentadas foram trabalhadas de forma que os flautistas pudessem cantar e tocar facilmente, sendo arranjadas e adequadas de acordo as quatro notas e as quatro figuras rítmicas de conhecimento dos participantes.

Com base na aprendizagem e limitações dos alunos durante todas as aulas realizadas até o mês de novembro, elaborou-se um repertório para ser executado ao final do projeto com músicas escolhidas pela Autora juntamente com as preferências musicais deles, numa grande roda de conversa em que houve a participação ativa dos flautistas na decisão final, exercendo-se, assim, a relação professor-aluno mais horizontalizada. Sobre a significância do repertório, Cuervo e Pedrini comentam:

O que constatamos é que o repertório possui papel estruturante no planejamento pedagógico-musical, e que precisamos construir uma relação equilibrada entre as preferências musicais dos alunos e a ampliação dessas preferências através da ludicidade e do estudo dinâmico, potencializado pelas possibilidades que a música contemporânea também oferece. (CUERVO; PEDRINI, 2010, p.56).

Com o repertório acordado, os quatro últimos encontros foram para os ensaios gerais, diferenciados pela introdução de uma novidade tecnológica para as crianças: o playback. A Autora fez a edição das canções de apresentação, utilizando a ferramenta de programação musical Band In A Box (BIAB) e que se assemelha a uma banda no computador, objetivando o contato direto dos alunos com a tecnologia, permitindo que eles interpretassem as músicas ao vivo, editadas especialmente ao nível de conhecimento apreendido. Todo este processo levou os alunos a vivenciarem a performance musical como um todo.

As músicas escolhidas estavam inseridas em três categorias: canção do folclore popular, MPB (Música Popular Brasileira) e canção natalina, visto que o Natal estava próximo. Seguiu-se o programa: (1) Sítio de Seu Lobato (Folclore); (2) Quero Te Encontrar (Claudinho e Buchecha); (3) Trem Bala (Ana Vilela); (4) Filhote do Filhote (Jean e Paulo Garfunkel); (5) Bom Natal (Canções de Natal).

A culminância dos trabalhos foi realizada no dia 07 de dezembro de 2017 no pátio da Escola, contando com a participação de alguns pais na plateia, além da presença de todas as demais turmas, que puderam apreciar o recital. Houve divulgação do evento durante as semanas anteriores através de um cartaz convidativo.

CONCLUSÃO

As atividades musicais na maioria das vezes são bem recebidas nos diversos ambientes. A presença da música na Escola Jacob Ferreira também foi acolhida, apesar da descrença de algumas professoras no desenvolvimento dos alunos e na importância da música dentro do âmbito escolar.

Os desafios existiram durante o percurso, destacando-se como o principal, a falta de estudo individual das crianças nas suas residências, devido às flautas serem apenas cedidas pelo projeto durante as aulas com a justificativa de se evitar a quebra ou a perda desse material.

Outro ponto observado foi a inexistência de prática musical frequente na Escola e limitação das referências de música por parte dos estudantes e do corpo docente. O repertório trabalhado nas aulas colaborou para a descoberta de outros gêneros musicais que ajudam na prática pedagógica dos professores e são agradáveis aos ouvidos das crianças, movimentando o espaço escolar para as manifestações musicais.

Os imprevistos que ocorreram foram conduzidos com muita tranquilidade, como por exemplo, algumas vezes a aula ser reduzida por uma mudança na hora do lanche e pela falta de água num determinado dia, o que fez com que a Autora recorresse ao improviso e ajustasse o tempo das atividades, aprendendo, assim, a lidar com as adversidades cotidianas.
A experiência com as turmas possibilitou também que a Autora utilizasse seu potencial criativo quando teve que criar e adaptar arranjos das obras executadas, exclusivamente para as crianças, alinhados ao grau de conhecimento técnico adquirido nesse período.

Percebeu-se que a herança cultural dos alunos era bastante deficiente por se tratar de crianças de nível socioeconômico desfavorecido. Considerando todo esse contexto, é possível inferir que o trabalho contribuiu também para a ampliação da vivência musical dos alunos, e apontou para outras funções da música, como estímulo para aprimorar a educação e a qualidade de vida.

A participação direta dos alunos na escolha das canções do recital e a postura flexível da Autora foram fundamentais para o bom relacionamento coletivo e desenvolvimento das turmas, o que certamente influenciou o processo de assimilação dos conteúdos de maneira confiante e prazerosa.

Ademais, os resultados da proposta foram satisfatórios e concluiu-se que as crianças tiveram relativa melhora no comportamento, compreenderam as notas e figuras musicais apresentadas e souberam cantar e tocar em conjunto para o público escolar sem maiores dificuldades, entendendo-se qualquer ansiedade ou nervosismo evidenciados no momento da apresentação.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Presidência da República. Lei n.° 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11769.htm > Acesso em: 12 jul. 2018.

CUERVO, Luciane; PEDRINI, Juliana. Flauteando e Criando: experiências e reflexões sobre criatividade na aula de música. Música na Educação Básica. Associação Brasileira de Educação Musical. Porto Alegre, v. 2, n. 2, set. 2010. ISSN: 2175 3172.

FUCCI AMATO, Rita de Cássia. Villa-Lobos, Nacionalismo e Canto Orfeônico: projetos musicais e educativos no Governo Vargas. Revista HISTEDBR, Campinas, v. 27, set. 2007. ISSN: 1676 2584. Disponível em:   Acesso em:

FUNDAÇÃO CAPES MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa Institucional de Bolsa de iniciação à Docência (Pibid). Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/pibid> Acesso em: 12 jul. 2018.

GUMS, Luana Moína; KANDLER, Maira Ana. Oficina de Flauta Doce: relato de experiência do processo de musicalização de crianças. Revista Educação, Artes e Inclusão, Florianópolis, v. 9, n. 1, 2014. ISSN: 1984 3178.

MELHOR ESCOLA. Rede Municipal. Avaliação. Escola Municipal Jacob Ferreira. Disponível em: <https://www.melhorescola.com.br/escola/escola-municipal-jacob-ferreira> Acesso em: 16 jul. 2018.

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Sulina, 2015. 247 p.

PENNA, Maura. A função dos métodos e o papel do professor: em questão, “como” ensinar música. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz (Orgs.). Pedagogias em Educação Musical. Curitiba: InterSaberes, pp. 13-24, 2012.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva; MARINHO, Vanildo Mousinho. Práticas para o ensino da música nas escolas de educação básica. Música na educação básica. Porto Alegre, v. 1, n. 1, outubro de 2009. ISSN: 2175 3172.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *