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Fotografias e outras imagens no ensino de História

Jefferson Braga de Oliveira

Jefferson Braga de Oliveira

Licenciado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Atualmente é professor substituto nas redes municipais de educação da Grande Florianópolis e da rede de ensino do Estado de Santa Catarina.

E-mail: bragatrosco@gmail.com

O presente artigo é um dos resultados de minha prática de docência em História[1], realizada no ano de 2018 na E.E.B. Beatriz de Souza Brito no bairro Pantanal, cidade de Florianópolis, na turma 62 do 6º do Ensino Fundamental. Pretendo problematizar os resultados desta prática, questionando o uso de imagens e fotografias como recurso metodológico, visando ao desenvolvimento das noções de temporalidade e espacialidade históricas nos alunos do 6º ano do ensino fundamental, através da análise das construções de narrativas que partem das memórias das fotografias familiares feitas pelos alunos.

O grande desafio foi estabelecer uma metodologia capaz de atingir o objetivo de “refletir sobre a permanência da cultura helênica na sociedade atual” com os alunos do 6º do fundamental vespertino.  As dificuldades impostas pela realidade desses discentes eram referentes principalmente às diferentes etapas de alfabetização. Relacionando os resultados das primeiras regências, as leituras teóricas da disciplina e a leituras dos questionários aplicados, optei por métodos mais lúdicos, que dessem conta de transmitir o conhecimento planejado a todos os alunos, considerando sua heterogeneidade social e de letramento.

Minha opção metodológica para pensar os planos de aula teve como objetivo uma experiência de ensino com o uso de fotografias dos familiares dos alunos, para que, através da sua análise histórica, enquanto fontes de memória de suas famílias, eles fizessem suas próprias narrativas associando-as às transformações históricas da família grega e de suas próprias, dessa forma, desenvolvendo a noção de temporalidade e espacialidade históricas. Trabalhar com os conceitos históricos básicos de temporalidade e espacialidade são fundamentais como aponta Bittencourt:

Entre as noções e conceitos históricos fundamentais tanto para a pesquisa quanto para o ensino de História, a noção de tempo histórico e a de espaço são fundamentais. Todo objeto de conhecimento histórico é delimitado em determinado tempo e em determinado espaço. (BITTENCOURT, 2008, p. 199).

Para tanto, a intervenção pedagógica foi estabelecida em duas etapas, sendo a primeira as aulas expositivo-dialogadas com o uso das imagens, introduzindo os alunos a uma prática de análise histórica da interpretação imagética, e a segunda parte a prática em si, constituída de interpretação das fotografias e da produção de suas narrativas. Para fundamentar a metodologia do uso das imagens no ensino de história nesta pesquisa, fiz uso da proposta de Bittencourt (2006), já reconhecida como especialista das fundamentações teóricas do ensino de História, acrescida das considerações de Burke (2004) a respeito do uso de imagens como fontes e das práticas de análise das fotografias como fonte em História de Mauad (1996).

Para as aulas expositivo-dialogadas com o uso de imagens para a apreensão dos conceitos e conteúdos pelos alunos, fiz uso da proposta de Bittencourt (2006), na qual o professor pode isolar a imagem dos textos e estimular a sua interpretação pelos alunos de forma “impressionista”, gerando imagens mentais, a partir de suas próprias representações e narrativas. Na prática é estimulada uma leitura das imagens por parte dos alunos da forma mais espontânea possível, evitando “contaminar” suas interpretações com o conhecimento do professor. Partindo desta primeira interpretação, deve-se passar a analisar, quando for o caso, a imagem enquanto objeto: Quem a produziu?  Qual o objetivo?  Quando foi produzida? Concluir cada interpretação, também quando for possível, relacionando-a à realidade atual, à vida dos alunos. A avaliação deste procedimento metodológico está descrita na segunda parte deste artigo “A Prática da Docência”, no momento que são analisadas as atividades com o uso das imagens.

Na preparação das aulas com o uso de imagens fiz uso das considerações de Burke (2004) quanto aos cuidados com a utilização de imagens na História. Ele alerta sobre armadilhas que podem surgir nessas análises, preferindo usar o termo “indício” no lugar de “fonte”, pois, segundo ele,

[…]os historiadores têm se referido aos seus documentos como “fontes”, como se eles estivessem enchendo baldes no riacho da Verdade, suas histórias tornando-se cada vez mais puras, à medida que se aproximam das origens. A metáfora é vívida, mas também ilusória no sentido de que implica a possibilidade de um relato do passado que não seja contaminado por intermediários. (BURKE, 2004, p.16)

Em seguida, na atividade com as fotografias familiares, visou-se atentar, em sua análise, para alguns elementos específicos como: local, vestimentas, objetos, ano retratado, tema retratado, número de pessoas na foto e atributos da paisagem. Para justificar as fotografias familiares, Mauad (1996) menciona que a prática de fotografar pertence à nossa vida. Pensando temporalmente, a imagem fotográfica é o passado presente, pois, segundo a autora, “do ponto de vista temporal, a imagem fotográfica permite a presentificação do passado, como uma mensagem que se processa através do tempo […]” (MAUAD, 1996, p. 10). Foi sob essa perspectiva, portanto, que foram realizadas as aulas.

Após as interpretações das fotografias dos alunos e preenchimento da ficha analítica, as narrativas foram materializadas por eles em um trabalho de composição de imagem e texto, estas produções foram as fontes do objeto de estudo, onde se buscou, na análise, o aprendizado dos conceitos básicos de temporalidade e espacialidade históricos.

Ainda, para Cainelli e Malheiros (2017), a história de vida como metodologia no ensino de História proporciona aos alunos não somente o aprendizado do conhecimento histórico, mas também a possibilidade de que eles se percebam como sujeitos históricos, com capacidade do protagonismo na História. O método proporciona a esses indivíduos, através das aulas, a análise crítica da própria realidade, do meio em que vivem e de como se relacionam enquanto sujeitos construindo sua própria História.

O que se pretende analisar é como se deu a aprendizagem dos alunos quando utilizamos este recurso imagético em sala de aula enquanto fonte de memória para a produção de narrativas. Para tanto, a pesquisa adapta a metodologia de Mauad (1996) no uso da fotografia para a composição do conhecimento histórico e interpretação das fotografias e o uso da “História de vida” como metodologia para o ensino de História de Cainelli e Malheiros (2017).  Para isso, iniciamos falando sobre as aulas para em seguida realizar a análise das fontes.

 A prática da docência

A primeira semana de intervenção teve o objetivo de discutir as contribuições da civilização grega para o mundo ocidental, bem como a constituição da sociedade para chegar aos modelos de famílias gregas.

Buscando a iniciativa e participação dos alunos, foi preparado especificamente para estas aulas um conjunto de três (03) vídeos, sendo um deles uma paródia da introdução da série cinematográfica Star Wars, quando foi feita uma chamada individual dos alunos à participação das aulas do grupo de estágio. A receptividade dos alunos à exibição deste vídeo durante a aula foi ótima, bastante peculiar e teve o objetivo alcançado, visto que a atenção deles ficou voltada a um objeto dirigido à individualidade de cada um deles.

Imagem 1 – Atividade Avaliativa 1
Fonte: Acervo autor

A atividade acima relacionada foi um questionário aplicado ao final da aula. Durante a execução, houve uma dificuldade para resolver as questões 1 e 2, que avaliavam o reconhecimento visual da localização geográfica da Grécia Antiga e suas regiões, conteúdo explorado no vídeo. Considerando a importância para o desenvolvimento do conceito básico de espacialidade a ser apreendido pelos/as alunos/as, foi criado um “Mapa-texto-resumo” desta competência, de forma a recuperar este objetivo da aula, que lhes foi entregue na aula seguinte para fixação no caderno. Esta alteração foi importante dada a necessidade do aprendizado da noção de espacialidade.

A segunda semana foi dirigida à temática da sociedade e a família na Grécia Antiga, procurou-se estabelecer conexões com a realidade dos alunos, buscando favorecer o aprendizado do conteúdo pela metodologia dialogada e o uso dos recursos audiovisuais e imagéticos.

Destaco, para fins de análise, a aplicação da metodologia para o uso de imagens de Bittencourt (2006) em duas figuras; a figura 1 representando a imagem da mulher ateniense, enquanto a figura 2 representa a mulher espartana:

Figura 1 – Kilix 450 A.C., figuras vermelhas – Museu Arqueológico Nacional de Atenas

De acordo com a autora, nessa primeira parte, em que os alunos são estimulados a interpretar a imagem, o professor precisa ficar atento e observar as descrições, pois as narrativas estabelecem a verbalização do que os olhos percebem articuladas com suas próprias experiências, daí a necessidade de um estímulo inicial desprovido de texto. É preciso identificar a partir desta observação os conhecimentos que estão sendo transmitidos, bem como aquilo que já faz parte de suas bagagens.

Este foi o segundo momento do método, identificado por Bittencourt (2006) como a leitura externa. Nesta etapa, como orienta a educadora, devem ser feitas perguntas relacionadas ao significado da figura enquanto objeto, questões que possam ser respondidas pelos alunos a partir do conteúdo já adquirido. Aqui a relevância fica com a sequência, na continuidade da leitura da imagem, devendo-se procurar estabelecer as relações com o tempo presente e a realidade dos alunos.

Figura 2 – Estátua em bronze,540 – 500 A.C., girl running – Museu Britânico

Passando para a figura 2, foram feitas as mesmas perguntas, o aluno P.O. respondeu: “Ela está lutando?” e Y.: “Correndo!”. Identifiquei então a imagem e perguntei a eles qual é a principal diferença entre a primeira e segunda, o trabalho doméstico e a atividade física, apontei então as diferenças entre os papéis estabelecidos às mulheres nas culturas ateniense e espartana e, portanto, a figura da escultura representava uma atividade que era exclusiva aos homens na maior parte da Grécia Antiga.

Nesta parte do método de análise, Bittencourt (2006) indica a necessidade de se buscar a comparação de imagens em diferentes tempos históricos, buscando as relações entre as permanências e mudanças, neste caso analisado, estabeleci uma comparação em diferentes espaços e os papéis individuais dentro dos grupos familiares na antiguidade grega em cada uma das duas sociedades, com ênfase na condição das mulheres. Desta forma, a possibilidade da criação de representações imagéticas, seguida da verbalização de suas próprias narrativas com o uso desta metodologia, pode estabelecer melhores condições ao processo de ensino aprendizagem no que tange à disciplina, também em turmas em que o professor encontra dificuldades de colaboração por parte dos alunos.

Quanto ao processo de desenvolvimento da atividade com as fotografias familiares, duas etapas principais o compõem: a análise das fotografias e a construção das narrativas em forma de cartazes. Sendo feita na primeira parte uma apresentação da ficha analítica das fotografias, sua finalidade e a forma de utilizá-la na atividade exemplificando com uma das fotografias.

Durante o desenvolvimento da atividade, foi proposto que cada grupo registrasse informações fornecidas pelos familiares por escrito sobre as fotografias na ficha analítica. Nessa ficha, elaborada com base no proposto por Mauad (1996), constavam os seguintes elementos: ano, local retratado, tema retratado, pessoas retratadas, objetos retratados, atributo da paisagem e tempo retratado.

Tabela 1 – Resultados das análises das fotografias familiares da turma 62 (transcrições literais)

Fonte: autor

Na tabela acima, encontra-se sistematizada parte das informações interpretadas pela turma.       Todos os elementos incluídos na ficha de identificação, juntamente com as narrativas realizadas pelos alunos, foram essenciais para a atividade, criando interpretações e sentidos. Estes momentos retratados nas imagens, além de se articularem a um tempo, ocorreram também em determinados espaços (local), como se percebe nas informações e observações das fotografias: em casa, na igreja, etc.

A segunda etapa de construção das narrativas através dos cartazes foi pensada de forma com que os alunos fossem estimulados a criar suas próprias narrativas históricas a partir das análises das fotografias e das memórias e experiências de cada um sobre cada imagem retratada, bem como o relacionamento de suas histórias de vida com o conteúdo, focado na família grega da antiguidade. O conhecimento histórico objetivado no plano a ser apreendido pelos alunos através da atividade eram as noções básicas de temporalidade e espacialidade, bem como a capacidade de identificar as permanências e mudanças históricas através do tempo.

A história de vida como metodologia para o ensino de história proposta por Cainelli e Malheiros (2017) objetiva a educação histórica a partir da produção de narrativas das histórias de vida dos próprios alunos, articuladas com três (03) dimensões: experiência, interpretação e orientação. A experiência e a interpretação estiveram presentes nas aulas dialogadas sobre a sociedade e famílias da Grécia antiga, nas análises das imagens e em todas as discussões que envolveram a família grega e seu modo de vida na antiguidade a partir das interpretações das imagens verbalizadas pelos alunos. Mesmo que a interpretação plena do conteúdo não tenha se dado através das narrativas na etapa final da atividade, as noções básicas de temporalidade e espacialidade estiveram presentes. Quanto à dimensão da orientação, conseguimos identificá-la quando o aluno se posiciona no tempo e como ele estabelece as relações entre o passado, presente e futuro.

Seguindo os argumentos de Barca (2004) sobre a cognição histórica, em que esta daria condições de os alunos desenvolverem raciocínios a partir de suas vivências prévias, e de Cainelli e Malheiros (2017), que abordam a construção do pensamento histórico a partir das Histórias de vida, as interpretações das narrativas criadas a partir das memórias pessoais e interpretações da fotografias familiares geraram algumas reflexões quanto à apreensão das noções básicas de temporalidade e espacialidade.

Foram 11 narrativas, sendo que nelas foram identificados os seguintes conhecimentos de temporalidade e espacialidade:

  1. Anos das fotos: 7 identificaram o ano nas análises e narrativas, 4 apenas na análise e 1 em nenhum;
  2. Idade: Presente em 5 narrativas;
  3. Espaço geográfico: 5 identificaram as cidades na narrativa e análise, 1 identificou apenas na narrativa, 3 apenas na análise, 2 não identificaram;

Analisando os dados acima em termos de aproveitamento, pode-se concluir inicialmente que a maioria dos alunos apreendeu as noções básicas de temporalidade e espacialidade.

Apenas M. não identificou como solicitado o ano da foto, consequentemente não o fez também na narrativa, todavia indicou sua idade como marcador temporal. M. se mostrou participativo na maioria das aulas, não tendo demonstrado dificuldades no entendimento de temporalidade.

A proximidade com a realidade dos alunos através das fontes e o método diferenciado proporcionou um melhor aproveitamento na atividade com estas fontes. Segundo Rüsen (2007), a aprendizagem histórica está relacionada diretamente à capacidade inerente aos seres humanos de orientar-se no tempo, ou seja, à consciência histórica. Entende-se a consciência histórica em Rüsen como a atividade mental da memória histórica, que tem sua representação em uma interpretação da experiência do passado de forma a compreender as atuais condições de vida e a desenvolver perspectivas de futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises, pode-se perceber que o ensino de História utilizando recursos imagéticos e narrativas históricas familiares é de extrema relevância para a aprendizagem histórica.

Percebeu-se também que, em relação às noções de temporalidade e espacialidade, ocorreu o aprendizado histórico, além de se poder identificar entre eles dificuldades de aprendizado de noções básicas para a História, possibilitando ajustes no planejamento ou mesmo intervenções pontuais.

Pude concluir que o uso desta metodologia é relevante para, além de desenvolver nos alunos as noções básicas necessárias ao aprendizado de História, como temporalidade e espacialidade, ensinar a fazer História, dando condições ao aluno de entender-se sujeito ativo na História, aproximando-o/a mais do ofício do/a historiador/a.

Assim como Bittencourt (2008) pontua a importância do uso da história narrativa no ensino pela possibilidade de compreensão dos fatos e pelo entendimento da ação dos sujeitos, a história de vida pode ir além de despertar o interesse dos alunos pela disciplina a partir de sua própria compreensão enquanto sujeitos históricos.

Na experiência com a turma 62, o que foi possível constatar, portanto, é que a narrativa de história de vida é um espaço que demonstra ao aluno a possibilidade de ele também atuar historicamente, refletindo sobre a disciplina e produzindo ele mesmo sua história, colaborando não apenas em seu processo de aprendizado, mas também enquanto sujeito crítico e ativo, tendo este conhecimento sobre sua condição enquanto sujeito no processo narrativo da história.

REFERÊNCIAS

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do projeto à avaliação. In. Para uma educação histórica de qualidade. Actas das IV Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga (PT): Ed. Universidade do Minho, 2004.

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. IN: ______(org). O saber histórico em sala de aula. 11. ed.São Paulo: Contexto, 2006.

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.  São Paulo: Cortez, 2008.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSP, 2004.

MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem fotográfica: fotografia e história interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 73-98, 1996.

RUSEN, Jorn. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007.

[1] Esta prática docente foi parte da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado III da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC. O estágio foi orientado pela Prof. Dra. Gabriela Marques

Imagem de destaque: Fotos Públicas – Bruno Cecim/Ag.Pará

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