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Fessô, que dia é a prova?

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Márcio Antônio da Silva

Graduado em química licenciatura pela UFMG, especialista em ensino de ciências por investigação também pela UFMG, mestre em ensino de ciências pela UFOP e atualmente doutorando em educação pela PUC/MG. Sua linha de pesquisa é o currículo com ênfase em interdisciplinaridade e concepções pedagógicas de Paulo Freire.

E-mail: marciogomers@gmail.com

Avaliar é um verbo de difícil “conjugação” quando se pensa em analisar como pessoas aprendem dentro ou fora da escola. Como professores, considerando as diferentes modalidades em que atuamos, somos constantemente desafiados a essa conjugação. No cotidiano escolar, há uma divisão de momentos que precisam ser encerrados conforme um calendário e necessariamente têm uma nota ou um conceito para esse período. Geralmente,faz parte do ofício do professor somar as notas e destacar no boletim, no final de um período,notas em azul e em vermelho, sendo que as em azul significam além da média e aquelas em vermelho abaixo da média. Cabe ao professor marcar uma data e definir o conteúdo que será exigido para o exame. Se o professor não define tal data, cabe ao estudante a pergunta: “fessô, que dia é a prova?”.

Essa prova é composta por um cabeçalho que, geralmente, traz nome da instituição, nome do professor, data, “valor” do exame e um espaço para que o aluno coloque o seu nome. Para simplificar a correção, alguns professores usam uma prova objetiva de múltipla escolha, outros usam provas abertas, que são mais demoradas para serem corrigidas.Há também aqueles que mesclam os dois tipos. Essas formas de avaliar são tão antigas que a passamos de uma geração para outra. Assim, Luckesi (2011, p.67) descreve:

A Pedagogia tradicional ainda impera em nossas escolas, reina quase absoluta em nossas práticas escolares diárias. Os pesquisadores e os autores de propostas pedagógicas renovadoras ainda não conseguiram tornar vigente uma consciência que efetivamente confronte as arraigadas crenças do tradicionalismo, presentes no dia a dia familiar, religioso e pedagógico por meio de um senso comum que passa de geração em geração, sucessivamente.

Com a finalidade de mudarmos essa concepção de avaliação verticalizada, procuramos novas maneiras de avaliar e partimos para uma concepção mais horizontal na relação entre educador e educando. Dessa forma, opomo-nos a “uma educação bancária”,conforme Paulo Freire (2014, p.82):

O educador é o que pensa; os educandos, os pensados. […] O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição. […] O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele. […] O educador finalmente é o sujeito do processo; os educandos meros objetos.

Nesses termos, notamos que os professores definem conteúdos, pontuação e data para os exames. Os estudantes concordam ou negociam, ora uma nova data quando há coincidência de avaliações de outras disciplinas, ora uma redução na quantidade de conteúdos. Assim, o educador é aquele que define, estipula e comanda o processo avaliativo, numa clara imposição chamada por muitos de organização. O professor é organizado porque já traz tudo pronto e agendado, é competente na habilidade da organização e sabe dividir os tempos para ensinar, aprender e avaliar. Isso pode contribuir para a rotulação de um bom professor. Mas, dessa maneira, a avaliação não é construída coletivamente. Opomo-nos a essa maneira de conduzir essa etapa da educação e questionamos: “É possível construir atividades avaliativas de forma coletiva e inovadoras?”.

Concordamos com um ensino que instiga o educador a ser pesquisador e questionador. Optamos, então, em articular com os educandos um ensino de Ciências por investigação. Capecchi (2013, p. 21) relata como são feitos os cursos de Ciências:

Tradicionalmente, os cursos de Ciências são voltados para o acúmulo de informações, muitas vezes consideradas uma realidade preexistente absoluta descoberta pelos cientistas. O principal foco de atenção está sobre os produtos da ciência e o desenvolvimento de habilidades estritamente operacionais.

Avaliar por investigação consiste em romper com esse tipo de abordagem: exigir definições prontas, exemplos distantes da realidade e memorizações. Pelo contrário disso, partiremos para um problema a ser investigado, construção de hipóteses, os testes, as pesquisas e as conclusões que refutam ou confirmam as hipóteses.

METODOLOGIA

 Esta pesquisa foi realizada com 40 estudantes do 1º ano do Ensino Médio, do turno matutino, de uma escola pública federal. O conteúdo na etapa dessas avaliações era ligações químicas e as aulas envolveram a construção de experimentos investigativos relacionados ao tema.

Para respondermos nossa indagação sobre a construção de avaliações coletivas e inovadoras, procedemos da seguinte forma:

  • As atividades avaliativas foram definidas em conjunto por professor e estudantes, ou seja, coletivamente, levando em consideração o calendário escolar: discussão a priori como datas, temas, abordagens e pontuação.
  • As questões da avaliação foram formuladas dentro da concepção de um ensino por investigação, já que esse era o princípio das aulas. Coube ao professor, como orientador do processo, formular questões que fossem resolvidas em duplas e com abordagem investigativa.
  • Os estudantes optaram pela forma de organização de uma avaliação objetiva, enquanto o professor optou por uma alteração a fim de verificar se essa mudança de formato interfere no resultado da avaliação.
  • Analisamos as duas formas de avaliação com os estudantes. Discussão a posteriori: resultados, qualidade da avaliação, pertinência com os temas, desenvolvimento e planejamento de uma nova avaliação.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Neste tópico, mostraremos os resultados e as discussões, bem como o desenvolvimento das atividades avaliativas em sala de aula. Os alunos optaram em realizar as avaliações em duplas e o professor também assim procedeu.Também foram determinados número de questões e valor das avaliações por meio de diálogo horizontal.

Classificamos as avaliações em dois tipos: A e B.

Em comum acordo, entre professor e estudantes, ficou definido que o tempo da prova B seria maior que o da prova A devido ao fato de as duplas serem definidas pelo professor.Na forma B, há uma demanda maior de tempo devido a fatores de interação entre os estudantes, já que alguns alunos da sala, apesar de se conhecerem, não têm ou mantêm contato próximo. Levamos esse fator em consideração pois pensamos nesse momento como uma contribuição para a superação de desafios de interação entre os alunos.

Na prova A, ficou acordado que os alunos já estariam com as duplas e o espaço físico organizados antes da chegada do professor. Essa maneira previamente estabelecida foi observada e se deu com muita ordem e bom espaçamento entre as duplas, o que evita o desgaste por parte do professor em arquitetar a sala para a aplicação de uma prova.

Na prova B, ficou acordado que o professor realizaria um sorteio para a composição das duplas numa aula anterior à prova. Essa sugestão dos estudantes foi acatada pelo professor, pois permitiu interação e planejamento dos estudantes, assim como a organização do espaço físico antes da chegada do professor à sala.

Nas duas provas, A e B, havia duas questões que investigavam textos e duas questões que investigavam experimentos. Fundamentamos esse tipo de abordagem nos trabalhos de Carvalho (2013) em que o ensino por investigação não se faz apenas por experimentos, mas também por tantas outras formas, como textos de jornais, livros e internet.Destacamos uma questão de cada tipo de abordagem nos Quadros 2 e 3 a seguir:

Para esse tipo de questão do Quadro 2, o professor permitiu que os alunos pesquisassem na internet, usando os seus celulares, as estruturas moleculares do guardanapo (papel, celulose) e também do plástico (polietileno). O fato de o professor pedir para que a questão fosse feita a caneta pelos estudantes é garantir o registro das hipóteses levantadas. Na avaliação dessa questão, o importante não foi o “erro” ou o “acerto” da hipótese, mas como os alunos contra-argumentaram ou reafirmaram seus pensamentos. Nesse formato de questão os estudantes discutiram, sistematizaram e reavaliaram suas ideias, já que observaram in loco o experimento. Consideramos que a questão estava bem direcionada e associada ao ensino por investigação e também dialogal para a dupla de estudantes. A discussão posterior em sala de aula com os estudantes revelou que a questão foi considerada entre fácil e mediana.

Na questão do Quadro 3, os alunos não tinham o experimento para observarem. Somente o texto e a figura foram fornecidos para a formulação de suas respostas. A alternativa “e”da questão foi considerada muito difícil pelos estudantes, pois exigia que eles buscassem conceitos de outras disciplinas para responderem. Na discussão pós-prova, foi um item bem comentado pelos estudantes. O professor avaliou com os alunos se após o debate em sala de aula ainda havia dúvidas. Apesar de mais exigente, os alunos opinaram que a questão os levou a um nível cognitivo mais complexo e mais globalizante, que foi um dos objetivos da questão.

As provas do tipo A, em que as duplas foram definidas pelos estudantes, foram resolvidas em um tempo menor, mas as respostas, na maior parte dos casos, foram menos estruturadas. Os alunos construíram o texto de uma só vez sem uma revisão da dupla. Percebemos que o fato de amigos fazerem a prova juntos contribui para a abertura de outros questionamentos não diretamente relacionados à prova, mas com outras problematizações e casos que vivenciaram juntos, em família ou já observaram em outras circunstâncias relacionados à avaliação.

As provas do tipo B, em que as duplas eram organizadas por meio de sorteio, um maior tempo foi gasto e as respostas foram mais bem estruturadas. Observamos que quando a dupla tem menos afinidade, os alunos se dedicaram mais a debater a questão e a sondar o que o parceiro sabe sobre o assunto. Dessa forma, outras comparações e situações não são colocadas em questionamento.

Quando comparamos as duas provas e as formas de como foram realizadas, notamos vantagens e desvantagens. A vantagem da prova A é que os alunos aumentam a complexidade da discussão enquanto a desvantagem é uma perda na sistematização. Já na prova B, ocorre o inverso e as sistematizações são mais claras, coerentes e concisas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Quando retornamos à nossa pergunta de investigação – “É possível construir atividades avaliativas de forma coletiva e inovadoras?” –, vemos que os alunos ao se tornarem sujeitos do processo, já que podiam escolher a forma de dupla, opinar e debater os resultados, assumem maior compromisso que começa pela sugestão do tipo de avaliação, da organização do espaço físico e suas parcerias e do desenvolvimento da atividade. Notamos que as questões, quando elaboradas fora do eixo propedêutico, contribuem com o envolvimento dos estudantes na discussão pós-prova, já que são situações-problema que despertam interesse e exigiram deles maior grau de complexidade. Podemos,portanto, afirmar que essa forma de avaliar, tanto tipo A quanto tipo B, possibilita a construção inovadora. Luckesi (2011, p. 181) pondera que “exames escolares e acadêmicos estão voltados para o passado, […] diferentemente, o ato de avaliar está centrado no presente e voltado para o futuro”.Corroboramos com Luckesi ao verificarmos que avaliar é um ato questionador do presente e projeta o futuro, pois avaliação que dialoga e socializa os dizeres contribui para a formação do cidadão em tomar de atitudes após reflexões e em sintonia coletiva.

Logo, as avaliações em duplas podem ser apontadas como uma das formas de desmitificarmos o ensino ainda enraizado em muitas escolas: que exige memorização, textos repetidos e perguntas descontextualizadas. Também o formato de elaboração de questões que instiguem os estudantes e os levem a pensar e a repensar suas respostas é um ponto a destacar. Esperamos que as abordagens mostradas, em que se constrói uma avaliação no viés do ensino por investigação, contribuam para que as avaliações nas escolas tomem novo direcionamento e sejam ponto de apoio aos professores inovadores e de ação coletiva.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 CAPECCHI, M. C. V. M. Problematização do ensino de Ciências. In: CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013.

CARVALHO, A. M. P.Ensino de Ciências por investigação: condições para implementação em sala de aula. São Paulo: Cengage Learning, 2013.

FREIRE, P.Pedagogia do oprimido. 57. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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