Figura3

Experiências de jardinagem com alunos público-alvo da educação especial

2 – Professora M. Consolação R. Bueno

Maria da Consolação Resende Bueno

Especialista em Educação Especial e Inclusiva com Ênfase em Deficiência Intelectual e Múltipla em 2015 (UCAM/RJ); Orientação Educacional em 2001(Simonsen/RJ) e Inspeção Escolar em 2002 (UNIPAC/MG). Licenciada em Pedagogia em 1997 (UEMG) e Geografia em 2006 (Simonsen/RJ). Professora da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais desde 1992. Em 2017 trabalhou como professora de Oficina Pedagógica de Jardinagem na Escola Estadual de Ensino Especial Professora Maria Correa Coutinho e como Bibliotecária na Escola Estadual Cônego Luís Vieira da Silva, em Ouro Branco – MG.

E-mail: consolacaoresende@hotmail.com

CONTEXTUALIZANDO: OS PRIMEIROS PASSOS

O Projeto Jardim Sempre Vivo teve como cenário uma escola de educação especial na cidade de Ouro Branco, Minas Gerais. Essa instituição foi criada em 1989 para o atendimento aos alunos público-alvo da educação especial[1] do 1º ao 5º ano do ensino fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA) do 6º ao 9° ano. A escola atende também alunos das escolas regulares por meio das oficinas pedagógicas[2] e salas de recursos. No ano de 2017, encontravam-se matriculados 153 alunos a partir dos 7 anos de idade. Além dos(as) professores(as) das oficinas pedagógicas, um dos cargos que ocupei nesse ano, a escola possui professores(as) de atendimento educacional especializado (AEE) (sala de recursos), de ensino fundamental e EJA, além de contar com terapeuta ocupacional, psicólogo, fisioterapeuta, fonoaudióloga, assistente social, orientadora educacional, supervisora pedagógica, bibliotecária, diretor e funcionários para serviços gerais.

A turma matriculada na oficina pedagógica de jardinagem era composta por 7 alunos e 5 alunas, com idade entre 14 e 45 anos. De acordo com os laudos médicos, estes apresentavam, em graus variados, as seguintes deficiências: física; intelectual e visual. Os alunos frequentaram essa oficina três vezes por semana, no horário das 13 horas às 17 horas e 15 minutos. Ao assumir essa turma, em fevereiro de 2017, observei o interesse que demonstravam pelos livros e revistas com temas sobre jardins e ornamentações. Os alunos se envolviam bastante nas atividades desenvolvidas ao ar livre, momentos em que observavam e investigavam plantas e insetos. No entanto, havia poucas plantas e as que se encontravam na área próxima à sala da oficina necessitavam de muitos cuidados, como poda, capina do terreno, irrigação e novas mudas.

O projeto de trabalho que relato a seguir surgiu a partir das minhas observações da turma e do espaço escolar, o que me motivou a apresentá-los a proposta de revitalização da área externa próxima à sala da oficina. As nossas ações foram orientadas pelos seguintes objetivos: conhecer, cultivar e cuidar de plantas diversas; construir um lago, a Fonte dos Desejos; e investigar e estudar os animais de jardim encontrados no terreno trabalhado.

Essa proposta compreende a inclusão como um amplo projeto social, ou seja, não basta somente garantir a matrícula e a permanência dos alunos público-alvo da educação especial na escola, é preciso assegurar, também, a aprendizagem por meio do acolhimento e de estratégias diversificadas. Desse modo, ao transformar a escola em um ambiente inclusivo, é necessário pensar na “elaboração de um projeto político pedagógico que considere a diversidade dos alunos, o que implica uma mudança de postura dos profissionais e a construção de uma nova prática educacional” (SANTOS, 2015, p. 37).

Na sequência, apresento as etapas do desenvolvimento deste trabalho, ressaltando que a pedagogia de projetos percebe o aluno não só como alguém que se interessa, mas também como indivíduo que “pensa, duvida, procura soluções, tenta outra vez, quer compreender o mundo a sua volta e dele participar, alguém aberto ao novo e ao diferente” (BARBOSA; HORN, 2008, p. 87). Embora o percurso esteja descrito por etapas de modo sucinto, ressalto que os projetos de trabalho são processos contínuos que não podem ser reduzidos a uma lista de objetivos e etapas.

 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

De fevereiro a novembro de 2017, tempo de desenvolvimento deste projeto, o nosso percurso foi dinâmico. Havia inquietações por parte de todos, já que estávamos em constantes transformações em função das experiências e conhecimentos que construíamos – o que necessariamente ocorre quando o projeto é desenvolvido com os alunos e não para os alunos (BARBOSA; HORN, 2008).

1ª etapa: Conversas sobre o tema revitalização das áreas externas da escola

Nessas conversas procurei registrar o que a turma já sabia sobre o assunto, o que queria saber, como faríamos para saber e o tempo de realização das ações propostas. Nesse primeiro momento foi imprescindível escutá-los mais do que propor muitas ações, considerando-os protagonistas nessa empreitada, ou seja: observar, escutar e registrar. As ações seguintes foram pensadas buscando atender às curiosidades e questionamentos da turma em busca de conhecimentos sobre como revitalizar as áreas propostas. O planejamento do uso dos espaços se deu por meio da construção de maquetes.

Figura 1 – Construção de maquetes pelos alunos

Fonte: Arquivo pessoal da professora (2017).

2ª etapa: Reconhecimento das poucas plantas existentes na área e plantio de novas mudas

As novas mudas, ao serem estudadas, foram identificadas com placas. Os canteiros foram ornamentados com pneus pintados por cores diversas pela turma. Próximo a essa área se encontram os canteiros de verduras, que foram replantados com couves, alfaces, cebolinha e outras hortaliças.

 3ª etapa: Estudo do solo no local destinado ao lago e sua construção

Durante as escavações nos deparamos com alguns obstáculos. No entanto, ao encontrarmos camadas de rochas, retomamos o planejamento e aproveitamos a oportunidade de estudar solos rochosos, mineração e ferramentas adequadas para perfuração. Durante a construção do lago, estudamos a respeito da importância da água e sobre espécies de peixes que, posteriormente, foram introduzidas no lago com o objetivo de evitar a proliferação de larvas de insetos. As pedras, necessárias à construção, foram trazidas aos poucos por cada um de nós. Todos os materiais para a construção da Fonte dos Desejos (lã e plástico para o fundo do poço e bomba-d’água) foram adquiridos por meio de doações de pessoas que tomaram conhecimento do projeto e as sementes e mudas vieram de parcerias com viveiros da cidade. Ao final dessa etapa, foi confeccionada uma placa com registro dos nomes de cada um dos envolvidos no projeto, ou seja, a turma da oficina pedagógica de jardinagem. Nessa etapa foi visível a satisfação dos nossos construtores.

Figura 2 – Processo de construção do lago artificial Fonte dos Desejos

Fonte: Arquivo pessoal da professora (2017).

4ª etapa: Investigação e estudo dos animais de jardim encontrados no local

Essa experiência envolveu toda a turma. O interesse pela investigação de joaninhas, abelhas, formigas, borboletas, aranhas e centopeias, entre outros achados nos canteiros, levou-nos à elaboração de uma lista dos animais que se encontravam no jardim e nas plantações de verduras da escola. Nessa fase, decidimos pela construção de um terrário com o objetivo de explorar o contato também com minhocas, terra, pedras e areia. Essa etapa foi marcada por observações e muitas conversas sobre as descobertas e sensações por elas provocadas.

Cabe destacar que a cada um desses passos, à medida que definíamos nosso projeto, também o retroalimentávamos, ou seja, uma atividade puxava a outra ou nos direcionava ao replanejamento. A atividade de construção da fonte foi estendida por um tempo maior que o previsto, devido ao interesse e envolvimento da turma e depois por necessidade de reconstrução do lago, que apresentou vazamento.

Como bem disse Malaguzzi (2004), são os alunos – e não os planos – que em suas diversas manifestações vão nos apontar os caminhos, as questões e os temas. Cabe a mim como professora desenvolver a escuta para promover o encontro, no caso deste projeto, de jovens e adultos com o conhecimento. Ou seja, favorecer as interações e construir tempos e espaços para que a experiência prevaleça, embora sem nenhuma garantia do que possa acontecer.

REGISTRO E AVALIAÇÃO DO PROJETO

Quanto à documentação, registramos esse percurso por meio de filmagens e fotos que foram organizadas de acordo com os acontecimentos. Essas, além de servirem como apoio à memória e como registro, desempenharam papel de materialidade em alguns momentos da aprendizagem, como, por exemplo, para iniciar ou retomar conversas. Nesses encontros, nós avaliávamos os nossos sentimentos em relação ao projeto: o que havia sido novidade, se havíamos conseguido conhecer o registrado na proposta inicial, assim como as participações e o envolvimento de cada um. Essa avaliação das ações aconteceu de modo contínuo ao longo do ano de 2017.

Além do registro por fotos e filmagens, deixamos outras marcas pela escola: os canteiros com as flores e verduras, o lago, a placa confeccionada com os nomes dos participantes e o nosso pequeno terrário. Tais ações ampliaram nossas referências, potencializando o espaço da escola como ambiente de descobertas, aprendizagens e experiências significativas. A seguir, algumas das falas dos alunos, registradas durante momentos de avaliação:

  • Me sinto responsável em cuidar e proteger o que fizemos, foi com muito trabalho, carinho e dedicação. (Ismael)
  • Mostrou a todos da escola, em especial a turma de jardinagem, maior conhecimento das plantas, da terra, das pedras e da água. (Cláudio)
  • Eu gostei de participar desta atividade, pois aprendi muito a respeito das plantas. (Fabiana)
  • Esse projeto foi grandioso para mim, adquiri conhecimentos de como é importante trabalhar em união, um ajudando o outro. (Caio)

Essa experiência foi compartilhada pela turma com as crianças de outra escola e também visitantes convidados por eles para conhecer o jardim com a Fonte dos Desejos. Em alguns momentos, encontrei-os sentados admirando a construção ou contando sobre o processo e suas vivências a quem estivesse interessado. Era visível a satisfação ao destacarem suas construções, ou seja, as várias marcas deixadas por eles.

Figura 3 – Parte da turma da oficina de jardinagem junto ao lago Fonte dos Desejos (2017)

Fonte: Arquivo pessoal da professora (2017).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O trabalho com projetos é compreendido aqui como um modo de organizar as práticas pedagógicas, sendo reconhecido por Barbosa e Horn (2008) como uma ação intencional, planejada e com alto valor educativo. Observamos ao fim do primeiro semestre do ano de 2017 mudanças no espaço, pois os canteiros e a fonte ambientaram o que antes estava ocioso e sem vida. A turma da oficina pedagógica de jardinagem continuou, no decorrer do segundo semestre, atuante no cuidado dos canteiros. Demonstravam que, por meio dessa significativa experiência os alunos haviam se apropriado de um vasto conhecimento sobre jardinagem, indo além do que estava previsto no projeto inicial.

As várias marcas deixadas pela escola os faziam se sentir ainda mais autores desse trabalho. Tal comportamento por parte da turma surgiu no processo de buscas e construções, emergindo a partir “de um laboratório submergido e silencioso de tentativas, provas, experimentos para comunicar, organizar intercâmbios e interações” (MALAGUZZI, 2004, p. 16). É nesse sentido que Vygotsky (1984) considera o meio social como preponderante no desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, ou seja, aprendemos ao interagir com o meio e com outros seres. Nesse caso trata-se de interações afetivas, pois cabe à professora acolher e escutar atentamente, envolvendo os alunos ao máximo em seus processos educacionais.

Contudo, percebo que nem sempre as interações são reconhecidas ou valorizadas – não só para crianças pequenas, como bem disse Malaguzzi (2004) – mas também para os alunos público-alvo da educação especial. É imprescindível planejar as práticas pedagógicas e considerar nesse planejamento as necessidades e desejos dos alunos, escutando-os. Não considerei ser esta uma tarefa fácil: escutá-los em suas múltiplas manifestações e construir, no coletivo, uma prática que concilie as características próprias de cada um do grupo. No entanto, o trabalho com projetos tem me favorecido essa escuta, já que envolvem estudo, pesquisa, busca de informações, constantes exercícios de crítica, dúvidas, argumentação e reflexão coletiva.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. G. S. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.

MALAGUZZI, L. El cuento de los peces con los niños del cine mudo. In: REGGIO, C. Los pequeños del cine mudo: juegos en la escuela infantil entre peces y niños. Barcelona: A. M. Rosa Sensat; Reggio Children, 2004. v. 1. (Colección La escucha que no se da).

MINAS GERAIS (Estado). Conselho Estadual de Educação. Resolução CEE nº 460, de 12 de dezembro de 2013. Consolida normas sobre a Educação Especial na Educação Básica, no Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, e dá outras providências. Diário Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 11 fev. 2013, p. 20-21.

SANTOS, R. A. Inclusão escolar: a implementação da política de educação inclusiva no contexto de uma escola pública. 2015. 140 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública) – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/2oqnR5>. Acesso em: 3 jan. 2018.

VYGOTSKY, L. S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

 

[1] Conforme a Resolução CEE nº 460, de 12 de dezembro de 2013: “Art. 5 – Considera-se público-alvo da Educação Especial educandos com: deficiência de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, de caráter permanente; transtornos globais do desenvolvimento; e altas habilidades que apresentam potencial de desenvolvimento acima da média” (MINAS GERAIS, 2013).

[2] As oficinas pedagógicas destinam-se ao desenvolvimento de aptidões, habilidades e competências de alunos com deficiências e condutas típicas, mediante atividades práticas e laborativas nas diversas áreas do desempenho profissional. São realizadas no contraturno para os alunos maiores de 14 anos de idade.

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  1. Bom dia!, Sou professora e coordenadora pedagógica da rede publica do Município de Porto Seguro, na Escola Indígena Pataxó Boca da Mata, Extremo Sul da Bahia, estou pensando em um projeto que possa valorizar o espaço do patio da escola onde tem as áreas externa que só tem capim onde este projeto sera como fonte de pesquisa e valorização das plantas e dos animais existente em na aldeia e fazendo uma busca na internet vi que este projeto é muito bom,

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