Contextos Do Projeto Político Pedagógico Na Educação Infantil Foto Ppp Betim RBEB N4

Contextos do projeto político-pedagógico na educação infantil

Otávio Henrique

Otavio Henrique Ferreira da Silva

Mestre em Educação e Docência pela Universidade Federal de Minas Gerais. É professor da Educação Básica na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais e na Rede Municipal de Educação de Ibirité/MG. Atua como docente no curso de Especialização em Educação Empreendedora da UFSJ. Durante sete anos trabalhou na Educação Infantil da Rede Municipal de Educação de Betim. Autor do livro “Educação Infantil em Betim (1968-2016). É integrante do grupo de pesquisa PERFFIL (UFMG).

E-mail: hota_otavio_om@hotmail.com

paco

Ademilson de Sousa Soares

Professor Associado da Faculdade de Educação da UFMG e Professor do Programa de Pós-Graduação na mesma instituição. Graduado em Filosofia com Doutorado em Educação, atua nas áreas de infância, criança, educação infantil, filosofia, filosofia política, ética, políticas educacionais e formação de professores.

E-mail: profpaco@gmail.com

A gestão democrática é assegurada como um dos princípios e finalidades da educação amparada pela Constituição Federal de 1988, art. 206, inciso VI (BRASIL, 1988), e também pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases (LDB), art. 3º, inciso VIII (Id., 2014). Esse princípio constitucional somente foi assegurado pela grande luta travada pelos movimentos sociais em defesa da democratização da gestão educacional, sobretudo pela atuação e organização do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), que surgiu durante a década de 1980 para defender a educação pública e gratuita durante o processo constituinte, iniciado em 1987.

A gestão democrática é apresentada da seguinte forma na Constituição Federal: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: […] VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (Id., 1988). Com a aprovação da LDB em 1996, ficou definido que são os sistemas de ensino que definirão as normas de gestão democrática da educação tendo como princípio o “Art. 14. […] I – participação dos profissionais da educação na elaboração do Projeto Político Pedagógico [PPP] da escola; II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” (Id., 2014, p. 15). Desse modo, compreende-se que o PPP está no centro da gestão democrática porque, mesmo que haja um conselho escolar, não tem sentido pensar na atuação democrática de um conselho sem que a instituição tenha um projeto com uma proposta política-pedagógica. A participação das famílias, dos profissionais e da comunidade nesse tipo de gestão, centrada apenas na agenda do conselho escolar, poderia se resumir em apenas ouvir a direção e assinar documentos.

Este artigo teve como objetivo apresentar uma análise geral do PPP na educação infantil e dados de pesquisa observados no município de Betim, Minas Gerais, a partir do projeto. A metodologia utilizada para coleta de dados da pesquisa foi realizar análises documentais em documentos oficiais, legislações, e-mails, entre outras fontes de registros históricos. Estruturamos este texto partindo desta introdução, para depois indicar uma seção analítica sobre o PPP na educação infantil, apresentação dos dados, considerações finais e, por fim, referências.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E EDUCAÇÃO INFANTIL

 Até determinado tempo atrás, quando ouvíamos falar de Projeto Político-Pedagógico ou PPP, como popularmente costuma ser chamado, logo nos vinha em mente a ideia de um documento composto por muitas de folhas de papel impresso. Na verdade, esse imaginário, que também faz parte do imaginário comum de várias pessoas, foi socialmente construído. Na realidade, o significado do PPP tem uma complexidade maior.

Claro que o registro do PPP no papel é fundamental para garantir a memória do trabalho pedagógico das instituições de educação infantil e das instituições escolares em geral pois é olhando para a história que conseguimos refletir criticamente as ações do presente e do futuro. Um desafio posto diante ao tema do PPP é justamente fazer com que ele sirva não apenas como registro de uma história que se lê e da qual muitas vezes é imaginária. Além disso, não pode ser apenas um relato do presente em que não se usa imaginação e criatividade. A grande expectativa que se cria em geral sobre o PPP é que ele seja um vivo e dinâmico instrumento pedagógico que oriente o trabalho educativo para proporcionar aos educandos e a todos os envolvidos na educação escolar a vivência de uma verdadeira educação comprometida com a formação cidadã das pessoas.

O PPP, além de ser a base estruturante da gestão democrática, é a espinha dorsal para a consolidação de um currículo para a educação infantil. Isso porque para construir o PPP não há uma receita pronta, mas é preciso reconhecer que a etapa da educação básica possui uma especificidade, que se trata de valorizar a infância vivenciada por bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas – sendo que esses sujeitos requerem necessidades de cuidado e de práticas educativas. É necessário considerar também que as instituições de educação infantil, principalmente as voltadas para o atendimento de crianças pobres, possuem marcas históricas por falta de investimentos, que vêm sendo superadas a partir do reconhecimento constitucional dessa política como direito da criança.

No entanto, ainda existem muitos desafios rumo a um atendimento de qualidade. A qualidade da educação infantil não se refere a práticas escolarizantes, mas à valorização e ao reconhecimento das demandas da primeira infância. Em outras palavras, Eloisa Rocha (2001) chama isso de pedagogia da educação infantil.

De acordo com as diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil (DCNEIs), o PPP é considerado o termo mais adequado a ser usado na educação infantil em substituição à palavra “currículo”, porque o currículo na educação infantil é carregado por tensões em que geralmente está “associado à escolarização tal como vivida no Ensino Fundamental e Médio” (BRASIL, 2013, p. 85). É importante tomar ciência de que o currículo está situado inseparável daquilo que somos e que nos tornamos, ou seja, está em nossa identidade e subjetividade. Um currículo capaz de atender às demandas de educação e ao cuidado das crianças pequenas precisa estar composto por compreensões críticas e pós-críticas em que se entende que para a construção do currículo há relações de poder, textos, documentos e discursos envolvidos, mas também há imaginação, criatividade e sonhos (SILVA, 2015).

As DCNEIs definem, no art. 3, o currículo na etapa da educação básica como:

um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. (BRASIL, 2013, p. 97)

O Projeto Político-Pedagógico define o currículo da instituição de educação infantil  e  caracteriza-se como o documento de identidade da instituição.  Esta condição colocada para o PPP está presente tanto nas diretrizes nacionais como também nas recentes discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular, que não é um currículo, mas será parte das proposições curriculares em todo o território brasileiro.

Assim, é importante que na elaboração do PPP seja garantida a participação coletiva, incluindo os profissionais, as famílias, as crianças (a seu modo) e a comunidade em geral tal como determina o art. 14 da LDB.

O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE BETIM

 Percebe-se que o processo de construção coletiva do PPP pela comunidade escolar, como defendem os teóricos progressistas do campo da gestão democrática, é uma ação pouco valorizada historicamente pelas gestões municipais que estiveram ao longo dos anos à frente dos governos de Betim. Antes da década de 1990, o que se observou sobre a cidade foi imensa negligência em relação ao atendimento de crianças pequenas e, já na década de 1990, durante a gestão de 1993 a 1996 da prefeita Maria do Carmo Lara, observaram-se ações mais efetivas do poder público em relação à educação da primeira infância, conforme analisado no livro Educação infantil em Betim (1958-2016) de Silva (2016). O foco não era a produção de uma proposta pedagógica para ser implementada em cada creche comunitária, a preocupação era com a estruturação e reestruturação da rede de instituições que já existia na cidade. “Não que a considerássemos sem importância, mas fundamentalmente porque só víamos condições de realizá-la por meio do estabelecimento de ações que, paulatinamente, contribuíssem para a configuração de uma proposta pedagógica” (BETIM, 1996, p. 28).

Durante a gestão municipal de 2001 a 2008, ocorreu o “Movimento de Reorganização Curricular para a Educação Infantil” que culminou com a construção do “Referencial Político-Pedagógico de Betim: educação infantil” (Id., 2008). O movimento para construção dos referenciais curriculares da educação infantil teve influências do processo de organização curricular do Ensino Fundamental. Assim, buscou-se tratar das especificidades do desenvolvimento infantil em diálogo com as(os) educadoras(es) e coordenadoras das instituições infantis durante cursos, assessorias e processos de formação pelos quais elas puderam expor contribuições (Ibid.). O referencial político-pedagógico da educação infantil de Betim, pela forma como se apresentou, funcionou como uma referência para a construção de PPPs nas instituições da cidade. Mas no decorrer da gestão de 2001 a 2008, não se observou nenhum outro movimento por parte da Secretaria Municipal de Educação (Semed) para consolidar o PPP em cada uma das unidades de educação infantil. O único movimento foi esse curricular, iniciado em 2001, que culminou com aprovação do mencionado referencial no mês de dezembro do último ano do mandato do prefeito Carlaile Pedrosa (2001 a 2008).

Na segunda gestão de Maria do Carmo Lara (2009 a 2012), a prioridade estabelecida para a educação infantil da cidade foi a ampliação da rede pública. Com isso, a atuação da equipe de profissionais da Semed ficou voltada para realização de concursos públicos, municipalização das creches conveniadas, construção de unidades pelo Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar de Educação Infantil (ProInfância), entre outras ações. O foco estava voltado para a consolidação da rede pública de instituições de educação infantil. Durante essa gestão, não ocorreu nenhum movimento que procurasse avançar nos referenciais políticos pedagógicos construídos na gestão anterior ou que trouxesse novas possibilidades para a consolidação do PPP nas instituições públicas ou conveniadas de Betim.

Durante a última gestão da cidade, 2013 a 2016, novamente governada por Carlaile Pedrosa, a equipe de escrituração escolar da Diretoria de Educação Infantil da Semed verificou logo no início do primeiro ano de mandato que haviam muitos Centros Infantis Municipais (CIMs) que não possuíam credenciamento e autorização de funcionamento. Assim, no mês de abril de 2013, os gestores escolares e auxiliares administrativos foram orientados a organizarem a documentação para regularizarem a situação das instituições junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE), pois Betim não possui um sistema próprio de ensino e a regularização das instituições de educação infantil depende da autorização do mencionado órgão estadual. Entre esses documentos exigidos para a regulamentação das instituições, estava o PPP. A equipe de escrituração enviou um e-mail no dia 9 de abril de 2013 para os CIMs com um arquivo contendo um PPP pré-elaborado. A partir desse arquivo, a instituição teria que reorganizá-lo com base em suas especificidades. Este trabalho foi realizado na maioria das vezes pela própria gestão ou profissionais administrativos e não contou com a participação dos demais membros da comunidade.

No ano de 2016, foi publicada a Resolução nº 001, de 25 de janeiro, que “estabelece normas para a organização da educação infantil e do quadro de pessoal e funcional dos Centros Infantis Municipais de Betim”, tratando em seu capítulo II sobre a Proposta Pedagógica (BETIM, 2016). Nessa resolução, está estabelecido que o CIM deve elaborar, implementar e divulgar de acordo com a legislação vigente, a proposta pedagógica da instituição. Para isso, deverá contar com assessoramento da Diretoria Pedagógica de Educação Infantil, além de que o projeto deverá ser aprovado pelo conselho escolar.

No entanto, verificou-se que nenhuma ação foi tomada durante a gestão de 2013 a 2016 para que se efetivasse a construção e consolidação de PPPs com participação da comunidade em CIMs.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem do tema do PPP ainda é tímida na cidade de Betim, sendo que existem muitos desafios em relação à discussão e implementação coletiva dele. Apesar de o município possuir uma legislação avançada voltada para a gestão democrática na educação infantil da cidade – Decreto Municipal nº 28.891/2010 (Id., 2010), em que se prevê autonomia pedagógica, administrativa e financeira à comunidade escolar –, historicamente há uma desvalorização do PPP pelos diversos governos que passaram pela cidade. Na atualidade, esse tema tem sido pouco discutido pelos gestores e até mesmo entre os próprios trabalhadores da educação infantil da rede municipal, conforme pode ser analisado pela baixa presença de debates sobre o PPP nos documentos analisados.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BETIM. A construção da política: uma experiência municipal em educação infantil. Betim: Apromiv, 1996.

______. Decreto nº 28.891, de 20 de outubro de 2010. Dispõe sobre os conselhos escolares dos centros infantis municipais e dá outras providências. Órgão Oficial, Betim, 2010.

______. Referencial político-pedagógico de Betim: educação infantil. Betim: Semed, 2008.

______. Resolução Semed nº 001, de 25 de janeiro de 2016. Estabelece normas para a organização da Educação Infantil e do quadro de pessoal e funcional dos centros infantis municipais de Betim. Betim: Prefeitura Municipal de Betim. Órgão Oficial, Betim, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/2C8qCb>. Acesso em: 29 maio 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988.

______. Diretrizes curriculares nacionais da educação básica. Brasília, DF: MEC, 2013. 562 p.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 9. ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 2014. 45 p.

ROCHA, E. A. C. A pedagogia e a educação infantil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 16, p. 27-34, 2001.

SILVA, O. H. F. da. Educação infantil em Betim (1958-2016). Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Synergia, 2016. Disponível em: <https://goo.gl/2I3bhb>. Acesso em: 28 mar. 2017.

SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. 154 p.

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