Educa No Camp

Caminhos da educação do campo: um olhar a partir da Revista Presença Pedagógica – 2009 a 2018

Post Series: Seções especiais

INTRODUÇÃO

O texto em tela apresenta os resultados da pesquisa desenvolvida em torno das publicações realizadas pela Seção Educação do Campo (SEDOC) na revista Presença Pedagógica no período de 2009-2018.  A Revista teve, desde sua fundação, uma relevante presença nas escolas da Educação Básica, nos cursos de graduação e de pós-graduação na área educacional. Portanto, a seção se constituiu como um instrumento de divulgação da Educação do Campo no contexto das escolas e da formação de professores. Ao longo desse período, a seção pautou-se pela divulgação de textos cujo objetivo foi promover o debate das questões educacionais a partir dos princípios, conceitos e práticas da Educação do Campo.

No final de 2018, a revista foi adquirida por outro grupo editorial e, nesse processo, tornou-se inviável manter a continuidade da seção com o formato e os objetivos até então trabalhados. Sendo assim, as responsáveis pela seção fizeram contato com os editores da Revista Brasileira de Educação Básica (RB-Educação Básica), na tentativa de criar condições para a continuidade da publicação da seção. A partir desse fato, compreendeu-se que o conjunto de artigos publicados em um período de quase uma década pode ter se constituído como um dos espaços de socialização dos conhecimentos e práticas desenvolvidos pelo Movimento da Educação do Campo em seus diferentes territórios, de modo que se mostra relevante realizar a sistematização e a reflexão sobre os textos publicados. Desse modo, os artigos que compõem o corpus de referência para a sequência da publicação afirmam o propósito de dar continuidade no processo de construção de uma estrutura textual que possibilite a divulgação das diferentes formas de produção do conhecimento que historicamente define e dá sentido à Educação do Campo como território de luta, de conquistas, de resistência e de elaboração de um projeto de escola articulado a um projeto de campo e de sociedade numa perspectiva emancipadora.

Por se tratar a metodologia desta pesquisa de um levantamento bibliométrico, buscou-se, conforme orientação de Splitter, Rosa e Borba (2012), mensurar a produção, no período mencionado, considerando métricas científicas. Para tanto, foram avaliados 45 artigos do total de 53 publicações.  Para o alcance dos resultados, o trabalho foi distribuído em quatro etapas: (a) análise por meio de pesquisa exploratória dos editoriais de todas as seções de Educação do Campo da Revista Presença Pedagógica e, consequentemente, obter sua propagação histórica; (b) levantamento das características formais da seção no que se refere ao número de artigos publicados, anos das publicações e seus respectivos números; (c) identificação dos tipos de pesquisa, tipo de análise, perfil de autoria, distribuição de artigos por região e frequência dos temas abordados; e (d) análise por temática dos artigos.

Para levantar os resultados e realizar a análise dos artigos, foi utilizado o software de planilhas eletrônicas Excel, que permitiu reunir em uma base de dados todos os artigos coletados. Após a tabulação dos dados, foram iniciadas as análises de correlação entre os temas, a sequência histórica de aparecimento do tema e a cronologia dos princípios da Educação do Campo.

BIBLIOMETRIA DA SEDOC

A primeira publicação da SEDOC na revista Presença Pedagógica foi no terceiro bimestre de 2009, e a última, no primeiro bimestre de 2018. A Seção foi projetada e coordenada nesse período por duas professoras vinculadas à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e por uma professora da Universidade de Brasília UnB. O objetivo anunciado era de dar mais visibilidade às ações de pesquisa, ensino e extensão, bem como às políticas públicas, aos projetos e aos programas de Educação do Campo.

Dos artigos analisados, indicou-se a presença de 79 sujeitos em autoria (uma média de 1,75 autores por artigo), desses: 57 do sexo masculino e 22 do sexo feminino. Isso indica que 72% dos artigos são assinados por homens e 28% por mulheres,  dado que representa a prevalência do sexo masculino nas autorias, diferentemente da média nacional, em que 72% dos artigos científicos são de autoria de mulheres.[1]

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Em síntese, o que se pôde verificar é que a maior parte dos autores (44%) são professores de diferentes universidades e escolas de educação básica, 25% são estudantes distribuídos nos níveis de graduação, mestrado e doutorado, e 15% são técnicos em educação. Em relação aos estudantes de graduação, quatro são estudantes de graduação no curso de Licenciatura em Educação do Campo, o que mostra que a inserção dos estudantes na pesquisa está ocorrendo, principalmente, com os estudantes da licenciatura em Educação do Campo que têm origem campesina. Assim, além do hábito da pesquisa-ação, eles estão apresentando sua vivência de campo e escola.

Quanto à autoria, quase metade dos artigos (49%) tiveram autoria única, seguidos pelos trabalhos com dois autores (40%). Portanto, apontamos que a seção tinha como preferência trabalhos com três autores ou menos. Encontramos apenas uma exceção, de um artigo com 9 autores. Vale registrar que o total de sete artigos são assinados em coautoria entre professor e aluno.

Sobre a localização, os autores distribuem-se por dez estados brasileiros, com a prevalência da Região Sudeste, nesse caso, Minas Gerais, seguida pela Região Centro-Oeste, Brasília, DF. Esse dado pode ter relação com a coordenação da seção, na qual, das três professoras coordenadoras da seção de Educação do Campo na revista, duas são de Minas Gerais e uma de Brasília. Outra justificativa para esse dado é o crescimento de experiência de Educação do Campo nessas regiões.

Sobre o tipo de pesquisa, foram divididas em três grupos: (1) os relatos de pesquisa, segundo o qual pesquisadores seguem uma tríade composta por marco teórico, metodologia e análise dos resultados, explicitando no texto a contribuição da pesquisa em relação ao objeto estudado; esse grupo de pesquisa foi responsável por 31% dos trabalhos analisados; (2) os relatos de experiência, que privilegiam a descrição da experiência de sujeitos na pesquisa e a valorização de suas falas, formas de pensar, sentir e agir e suas singularidades; essas pesquisas representaram 53% dos trabalhos analisados; e (3) os ensaios teóricos, aquelas pesquisas que se dedicaram a se aprofundar em algum tema-objeto, que representam 16% dos trabalhos analisados.

Quanto às temáticas abordadas, percebe-se uma proximidade com as questões emergentes em determinados períodos, seja nas lutas, no desenvolvimento de práticas, seja na conquista de políticas públicas. Nesse sentido, nos trabalhos analisados, percebe-se, nos anos iniciais, a preocupação em apresentar o histórico, os princípios, os conceitos e os temas estruturantes da Educação do Campo. Movimentos sociais e sindicais, agroecologia, reforma agrária, direito à educação, pedagogia da alternância, gestão democrática, organicidade, entre outros assuntos, assumem centralidade nos debates.

O primeiro artigo, intitulado “Cultivando princípios, conceitos e práticas”, iniciou a SEDOC, destacando o protagonismo dos educandos nos processos formativos, o estímulo à sua auto-organização, a ampla participação na gestão desses processos, as mudanças nas estratégias de organização e seleção dos componentes curriculares e a pesquisa como princípio educativo (MOLINA, 2009). Análogos ao artigo de Molina (2009), foram encontrados um total de doze artigos que tratam dos princípios da Educação do Campo.

A prática escolar corresponde a outro grupo de assunto que vai assumindo centralidade a partir do terceiro ano de publicação da SEDOC. Foram encontrados quinze artigos que abordaram essa temática. O trabalho de Hage (2010), com o título “Salas Multisseriadas”, inaugura esse bloco, mostrando a experiência das escolas multisseriadas no estado do Pará. Sua originalidade reside no fato de que, ao apontar a precariedade administrativa e pedagógica dessa forma de organização de turmas em uma escola, indica também as possibilidades que os educadores estavam construindo com as práticas criativas e inovadoras, demonstrando, assim, a viabilidade das salas multisseriadas em contexto onde seja apoiada por políticas públicas consistentes.

Outro assunto relevante abordado nos artigos com relação à prática escolar diz respeito aos desafios de se transformar as escolas rurais em escolas do campo. Nos anos seguintes, foram observados trabalhos que apresentaram estratégias pedagógicas para escolas do campo, como a educação em tempo integral e a pedagogia da alternância. O que se observa é que, após a concentração do tema escola-educação básica em um período de tempo, o assunto passa a integrar a SEDOC de modo recorrente até o final da publicação, merecendo destaque os relatos de experiência em diferentes níveis de ensino. O que se pode configurar como um quarto grupo de publicações no registro de práticas pedagógicas, visto que dezessete trabalhos podem ser inseridos nesse assunto.

O trabalho de Freitas (2010), com o título “Rumo ao campus”, inaugura a Educação Superior como assunto da SEDOC. Em diferentes momentos, foram apresentadas experiências desenvolvidas no âmbito do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), bem como questões relativas aos cursos de Licenciatura em Educação do Campo. Vale ressaltar que, a partir de 2011, emergem os artigos publicados por egressos do curso, evidenciando a presença da produção do conhecimento próxima das práticas emergentes. Evidencia-se também, com relação ao tipo de artigo, a maior presença do relato de experiência, o que, de certa forma, revela a natureza da produção de conhecimento que fertiliza a Educação do Campo.

 Ao fazer esse percurso, nota-se que a SEDOC, na Revista Presença Pedagógica, apresentou uma estruturação vinculada à trajetória de construção da Educação do Campo na última década. A preocupação em divulgar os princípios e os temas estruturantes nos primeiros anos, a ênfase na oferta da Educação Básica e na prática pedagógica nos anos seguintes e a inclusão da Educação Superior sinalizam um espaço de socialização do conhecimento capaz de contribuir com as demandas que emergiam nas lutas cotidianas dos sujeitos que estavam construindo a Educação do Campo.

Para continuar o trabalho na Revista Brasileira de Educação Básica

A seção de Educação do Campo da Revista Presença Pedagógica, durante esses nove anos, procurou mostrar os embates que os povos do campo (sujeitos, movimentos sociais e sindicais, assim como os coletivos) empreenderam pela conquista da escola que dialogasse com um projeto de campo, de sociedade e de educação mais equânime. Nesse ínterim, as temáticas dos primeiros textos publicados apresentaram-se como o embrião da Educação do Campo que se transformou num movimento de luta e conquistas. Posteriormente, os temas evoluíram para a luta por escolas do campo e cursos para os povos campesinos e, por fim, os temas finais apontam para a necessidade de práticas pedagógicas apropriadas ao contexto campesino e, consequentemente, a necessidade de formações para os professores do campo.

O material que já foi publicado é de grande valor, todavia, as experiências, práticas pedagógicas e construções teóricas não esgotaram todos os saberes e problemáticas da Educação do Campo, o que indica a importância e urgência dessa abordagem de apontamentos teóricos e práticos, visto que novos contextos e enfrentamentos integraram a questão nos últimos tempos. Além do âmbito educacional, questões político-sociais – como democracia, feminismo, racismo, patriarcado, entre outras lutas – precisam ser discutidas no contexto campesino.

Outro aspecto observado foi a escassez de trabalhos que tratam da agroecologia como paradigma agrário da Educação do Campo. Esses trabalhos são importantes, porque, de um lado, temos o pacote oferecido pelo agronegócio, que promete ampliar a produção com práticas agressivas com relação ao meio ambiente; por outro lado, o projeto vinculado à agroecologia propõe a ênfase na produtividade numa perspectiva sustentável. Nessa perspectiva, a SEDOC pode assumir um viés que focalize a discussão no contexto escolar.

Vale ressaltar que será necessário focalizar em artigos cuja autoria expresse equidade de gênero, vinculação socioterritorial, inserção em práticas formativas desenvolvidas na perspectiva da Educação do Campo, no nível de graduação e pós-graduação e participação em diversificados contextos educativos. Destaca-se também a necessidade de equilíbrio entre os tipos de pesquisa; observou-se que mais da metade dos trabalhos analisados (53%) são relatos de experiência. Foram encontrados apenas sete ensaios teóricos, o que equivale a 16% dos artigos analisados. Faz-se necessário o equilíbrio, tendo em vista que os ensaios teóricos dão suporte acadêmico tanto aos relatos de pesquisa quanto aos relatos de experiência.

Enfim, são muitos os desafios, mas também as possibilidades. Sendo assim, a expectativa é de que a SEDOC se mantenha como um vigoroso espaço discursivo de lutas e de construção da Educação do Campo, tal como foi construída na Revista Presença Pedagógica, e que assuma na Revista Brasileira de Educação Básica o compromisso de avançar no sentido de se constituir também como um espaço de resistência.

 

 

 

REFERÊNCIAS

FREITAS, Helana Célia. Rumo ao campus. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 16, n. 92, p. 44-49, mar./abr. 2010.

HAGE, Salomão Mufarrej. Salas Multisseriadas. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 16, n. 95, p. 34-39, set./out. 2010.

MOLINA, Mônica Castagna. Cultivando princípios, conceitos e práticas. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 15, n. 88, p. 30-36, jul./ago. 2009.

ROCHA, Alan da Fonseca. A importância da formação continuada. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 23, n. 135, p. 26-31, maio/jun. 2017.

SPLITTER, Karla; ROSA, Carolina Aguiar; BORBA, José Alonso. Uma Análise das Características dos Trabalhos “Ditos” Bibliométricos Publicados no Enanpad entre 2000 e 2011. In: ENCONTROS DA ANPAD, 36., 2012, Rio de Janeiro. Anais […] 2012. p. 1-16. Disponível em: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/2012_EPQ2501.pdf. Acesso em: 30 jul. 2019.

 

[1] TOKARNIA, Maria. Agência Brasil. Publicado em 23 mar. 2019. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/mulheres-assinam-72-dos-artigos-cientificos-publicados-pelo-brasil. Acesso em: 26 jul. 2019.

Leonardo Siqueira

Leonardo de Miranda Siqueira

Professor no Instituto Federal do Espírito Santo – IFES Campus Barra de São Francisco. Doutorando em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais. Possui Mestrado em Administração de Empresas, Graduação em Administração de Empresas, Licenciatura e Pós-Graduação em Matemática. Foi Professor na Escola Família Agrícola de Ensino Médio Profissionalizante Jacyra de Paula Miniguite. No Instituto Federal trabalha com formação de professores do campo.

E-mail: leobsf06@hotmail.com

Luiz Paulo Ribeiro

Luiz Paulo Ribeiro

Professor Adjunto A no Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (DECAE – FaE – UFMG). Fez sua residência pós doutoral estudando as correlações entre identidade e representações sociais. Possui doutorado em Educação: Conhecimento e Inclusão Social (FaE-UFMG), mestrado em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG) e é graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Atualmente coordena as atividades do Grupo de Estudos sobre Representações Sociais (GERES), participa do Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação do Campo e coordena as atividades da linha de Pesquisa de Psicologia, Psicanálise e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da FaE-UFMG.

Maria Isabel

Maria Isabel Antunes Rocha

Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983), Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2004). Pós Doutorado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Campus Presidente Prudente. Professora Associada da Faculdade de Educação/Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Comitê Gestor Institucional de Formação Inicial e Continuada dos Profissionais da Educação Básica (Comfo e COMFIC/UFMG), do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (NEPCAMPO/FaE-UFMG) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Representações Sociais – GERES). Desenvolve projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão com ênfase na Formação e Prática de Educadores, Psicologia Social e Educação do Campo.

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