A emergência de figuras femininas do Brasil Império na sala de aula – uma experiência de estágio, docência e pesquisa

Com os novos debates historiográficos, especialmente após a segunda metade do século XX, outras narrativas históricas ganharam significativa visibilidade, notadamente os grupos que outrora eram marginalizados, tais como mulheres, negros e indígenas. Os conteúdos da História escolar, por sua vez, não ficaram alheios a essas mudanças, tendo em vista que a produção acadêmica na área de História e a disciplina escolar são interligadas e exercem influências em ambos os campos de produção do conhecimento. Nesse contexto, se fez e ainda é necessária a emergência de grupos antes marginalizados nos discursos presentes também no âmbito da sala de aula e, claro, na formação dos futuros educadores nas licenciaturas.

A partir da década 1990, no Brasil, as pesquisas dentro do campo das licenciaturas passaram a perceber a prática do estágio enquanto atividade teórica que tem por fundamento orientar a prática. Ou seja, de acordo com Pimenta e Gonçalves (1990), o estágio permite que os futuros licenciados entrem em contato com a docência e sejam direcionados a refletir sobre sua prática pedagógica, em um processo de constante autorreflexão e mudança. Sendo assim, o estágio conduz o futuro professor a desenvolver seu ofício de pesquisador na medida em que propicia situações no cotidiano escolar e estimula a aquisição de conhecimentos disciplinares e pedagógicos para superar as problemáticas encontradas. Além disso, muitos licenciandos só entram em contato com a docência – antes de efetivamente se formarem como professores – nas atividades dos estágios supervisionados.

Entre os anos de 2018 e 2019, estive inserida nesta leva de licenciandos que entram em contato pela primeira vez com a docência no estágio curricular supervisionado, o que possibilitou diversas reflexões sobre a possibilidade de trazer para a sala de aula outras narrativas históricas para além da história factual, eurocentrada e tradicional que me foi repassada enquanto aluna da educação básica. Em paralelo a essas atividades como estagiária, passei a desenvolver um projeto de Iniciação Científica que tem como objetivo investigar os processos formativos de diversas mulheres do século XIX e XX.

Como subprojeto, me foi designado o estudo da vida e formação de Maria Amélia Cavalcanti de Albuquerque, nordestina nascida no século XIX em meio a uma sociedade patriarcal no interior de Pernambuco e que se tornou a primeira médica do Estado. Contudo, foi somente o exercício da pesquisa sobre essa mulher que me levou a refletir sobre como minha prática docente, mesmo que distanciada de uma história tradicional, ainda estava condicionada aos limites de uma narrativa histórica de caráter androcêntrico.

Tal cenário ficou ainda mais evidente quando propus que os estudantes do 2° ano do Ensino Médio da rede pública escrevessem no quadro nomes de homens e mulheres que eles conheceram nas aulas ou nos livros de História. A discrepância entre a quantidade de personagens históricos masculinos e femininos lembrados pelos estudantes me permitiu inferir que não somente eu estava condicionada a uma prática docente que não conferia visibilidade ao estudo da agência de mulheres ao longo da História. Partindo desse cenário e estabelecendo como conteúdos bimestrais aqueles relacionados ao período do Brasil Império, com base nas designações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a história de diversas mulheres, bem como da condição feminina nos oitocentos, passou a compor nosso rol de estudos sobre a época.

Essas linhas limítrofes me conduziram ao pensamento de que em minha própria formação inicial poucas foram as mulheres que ocuparam espaço nos debates historiográficos. No percurso traçado nas Ciências Humanas, Michelle Perrot (1995, p. 19) salienta a “amnésia quase voluntária” em relação aos estudos sobre as mulheres e o percurso traçado para que elas finalmente aparecessem na escrita da História, amnésia de que eu mesma fui alvo. Ao partir desse pressuposto, apoiada em meus estudos sobre a história de mulheres como Maria Amélia, percebi a necessidade de conduzir minha prática docente para fazer emergir em sala de aula a agência de mulheres no século XIX, especialmente no período imperial. Não só com a Princesa Isabel ao final do período escravocrata, mas com Luíza Mahin, Maria Firmina dos Reis e a própria Maria Amélia Cavalcanti, dentre outras, a inserção dessas mulheres nas aulas de História permitiu um processo de ensino mais significativo e ligado às novas dinâmicas sociais, em que foi preciso pesquisar, refletir e ensinar a superar as barreiras de uma História que nega a atuação de mulheres enquanto agentes históricos.

Tal cenário só foi possível devido à reflexão proporcionada pela união entre a prática do estágio supervisionado de caráter crítico e reflexivo com o exercício da pesquisa, contribuindo significativamente para meus próprios questionamentos sobre a ‘história oficial’ que nega o protagonismo histórico de diversos setores da sociedade, dentre eles, o das mulheres. Nesse sentido, ao questionar os limites de minha prática docente, pude desenvolver junto aos alunos um espaço para que refletissem sobre outras narrativas históricas, contribuindo assim para a formação de um cidadão reflexivo, preocupado com questões sociais da atualidade e que se reconhece enquanto sujeito histórico no confronto com outros sujeitos antes invisíveis pelo manto do gênero.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: abril. 2020.

PERROT, Michelle. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiência. Cadernos Pagu, Campinas, n. 4, p. 9-28, 1995.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2008.

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Tayanne Adrian Santana Morais da Silva

Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Formação Humana, Representações e Identidades e bolsista do projeto de pesquisa de Iniciação Científica intitulado “A educação de mulheres ao longo dos séculos XIX e XX”,financiado pela Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco) e orientado pela Dra. Raylane Andreza Dias Navarro Barreto (professora do Centro de Educação da UFPE).

E-mail: tayanne_morais16@hotmail.com

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