Constituição Federal De 1988

A educação Brasileira na CF/1988 e na IDB/1996

Fábio Souza Lima

Fábio Souza Lima

Prof. de História e Filosofia da Educação do Instituto de Educação Carmela Dutra.

E-mail: fabiosouzaclima@gmail.com

Introdução

O final da ditadura civil militar brasileira e o retorno das eleições democráticas entre 1982 e 1985 trouxeram à tona uma série de oportunidades de participação popular nas discussões sobre o futuro educacional do país. Autores como Carlos Jamil Cury (2011), Dagmar Zibas (2005), José Carlos Libâneo (2012) e Luiz Fernandes Dourado (2011), entre outros, têm realizado estudos sobre esse período como forma de tentar entender os movimentos que precederam as reformas educacionais dos anos 1990. Segundo Maria de Fátima Almeida, em seu artigo Política Educacional Brasileira (2005), esse grande período pode ser dividido em duas partes: a primeira, após o fim da ditadura até o ano de 1989; e a segunda, que se estende de 1990 até o ano da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB –, em 1996.

Dois momentos

Adotando para este texto a mesma proposta de Almeida (2005), devemos caracterizar melhor esses dois segmentos para entendermos como se deram as promulgações da Constituição Federal de 1988 e da LDB 9.394/1996, cada qual em seu período específico. Para o primeiro caso, o contexto histórico foi marcado por um extenso processo de abertura política no Brasil, que, mais notadamente, intensificou-se com na segunda metade dos anos 1980. Tal ambiente democrático trouxe para a participação política diversos setores da sociedade, como sindicatos e empresários. Consequentemente, os interesses desses diferentes setores, muitas vezes em conflito, resultaram em uma série de disputas por projetos que ora atendiam socialmente a população brasileira, ora ganhavam um perfil liberal quanto à participação de entidades privadas na criação de redes escolares e recebimento de verbas públicas. O Executivo Federal, por sua vez, depois de um longo processo ditatorial de vinte anos em que seu poder prevalecia sobre o legislativo e o judiciário, pareceu não intervir nas discussões educacionais, deixando aberto o campo para a atuação dos grupos políticos e entidades de classe representadas no Legislativo.

Neste contexto de debates, pelo que podemos inferir das discussões realizadas por Luiz Fernando Dourado (2011), a promulgação da CF/88 trouxe uma série de vitórias para os trabalhadores da educação, tais como a vinculação de verbas para a educação na ordem de 18% da União e 25% dos estados, Distrito Federal e municípios, a aposentadoria aos 25 anos de trabalho para a professora e aos 30 anos para o professor, a valorização dos profissionais da educação, a ideia da educação como direito social, a fixação de currículos mínimos, a autonomia universitária e a formulação do artigo n.º 214, que, em síntese, estabeleceu a criação de um Plano Nacional de Educação plurianual, tendo a União a “função supletiva”, isto é, de realização subsidiária frente a autonomia dos estados e municípios.

Segundo o entendimento de descentralização do poder que prevaleceu na época, a União não deveria realizar pelos estados e municípios o que eles poderiam fazer por si mesmos. Em outras palavras, a União não deveria legislar sobre uma matéria quando uma unidade da federação poderia legislar sozinha, por exemplo (CURY, 2011; DOURADO, 2011). Com essa perspectiva de descentralização normativa, percebemos que a União se ausentou de intervenções nos sistemas estatuais e municipais, exceto quando um ente não conseguia, dentro de suas competências, legislar sozinho sobre o assunto. Tratava-se de uma tendência ainda dentro do contexto da CF/88, que mostrava optar por um federalismo cooperativo, sob o regime de colaboração mútua. Não houve, portanto, um ato de abdicar da dimensão nacional, mas uma opção pelo compartilhamento e pela articulação de funções, realizando uma descentralização das decisões políticas entre os entes federativos, segundo descreve Carlos Jamil Cury (2011). Em tempo, vale ressaltar que tal entendimento prevaleceu até a Emenda Constitucional n.º 59, de 2009, que alterou o mesmo artigo n.º 214 da CF/88, no sentido de desenvolver uma articulação entre União, estados, Distrito Federal e municípios em prol da criação de um Plano Nacional de Educação que, desde então, deveria ser decenal.

Conforme descrevemos, diferentes setores da sociedade participaram das discussões que envolveram os assuntos educacionais. Dessa maneira, segundo aponta Almeida (2005), setores liberais também se consideraram vitoriosos ao conceber a escola privada livre de ‘ameaças’, como a estatização do ensino, a obrigatoriedade de contratar professores e técnicos por concurso público, a cogestão administrativa, patrimonial e financeira, além da obrigatoriedade de estabelecer quadro hierárquico de carreira no magistério.

Já no segundo momento narrado por Almeida (2005), iniciado em 1990, podemos identificar um contexto histórico internacional específico com a queda do muro de Berlim (1989) e com o progressivo esfacelamento da URSS (que de fato ruíra em 1991). O fim da Guerra Fria, portanto, foi também o marco do surgimento do que se convencionou chamar de neoliberalismo e Nova Direita (CHAUÍ, 1999), e o início das discussões sobre educação em nível internacional. Quanto a esse último ponto citado, o evento mais abordado em estudos acadêmicos é a Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, realizado em Jomtien, Tailândia, em 1990. Financiada por organismos internacionais como o Banco Mundial (BM), o congresso teve como resultado a conhecida Declaração de Jomtien. Tal declaração, alinhada às convicções liberais e financiada por organismo como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), serviu como principal parâmetro para a adoção de políticas públicas educacionais nos anos seguintes em todo o ocidente.

No Brasil, tivemos a instalação da Comissão de Educação da Câmara Federal, que coordenou ampla discussão sobre o tema, o que resultou no Projeto de Lei da Câmara n.º 101, de 1993, que visava fixar as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tal Projeto, conforme relata Almeida (2005), apresentou-se como uma ‘colcha de retalhos’, em função da participação de diversos setores da sociedade e de seus diferentes interesses no que dizia respeito à formação educacional do jovem brasileiro. É importante ressaltar novamente que, apesar das diferenças, as propostas presentes nas Diretrizes, que por vezes pareciam contraditórias, refletiam o processo democrático de construção de uma Lei sólida, com participação de todos, a exemplo do que foi a construção da Constituição Federal de 1988. Contudo, diferente do que foi no final dos anos 1980, o Executivo Federal passou a intervir nas discussões educacionais e no processo democrático no âmbito parlamentar. Era, então, possível verificar na prática a influência do evento realizado em Jomtien. Alinhado com as prerrogativas internacionais firmadas na Declaração de Jomtien, o governo federal, à época presidido pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, atuou no sentido de aprovar leis com perfil liberal e do interesse de grupos privados.

Mesmo assim, a atuação de grupos progressistas no período manteve-se forte dentro do contexto de redemocratização. Entretanto, o conflito de interesses no âmbito da construção de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não poderia ser deslocado do contexto histórico de queda da URSS e, consequente, hegemonia do capitalismo liberal norte-americano. Nesse período, o pragmatismo norte-americano revelou-se por meio do Banco Mundial na constituição de leis nas quais podemos ver menor gerência dos Estados em prol de um mercado livre em que deveria estar inserida a educação (ZIBAS, 2005).

Um verdadeiro embate entre as diferentes propostas para a educação nacional seguiu até a promulgação da LDB, em 1996, quando, depois de usada a estratégia de atrasar a votação por falta de quórum por diversas vezes, o Governo conseguiu derrubar a proposta de iniciativa popular considerada ‘obsoleta, centralizadora, cartorial, estatizante e intervencionista’ pela CONFENEN (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino). O governo conseguiu, então, derrotar a formulação da LDB, conhecida como “Proposta da Sociedade Brasileira”, e impor sua proposta, apontada por Almeida (2005) como contrária aos interesses dos trabalhadores da educação.

A Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que também ficou conhecida como Lei Darcy Ribeiro, foi, então, promulgada. Apesar do desânimo de muitos educadores com a retirada de pontos que atendiam socialmente aos interesses dos trabalhadores da educação, o próprio educador Darcy Ribeiro apontava a nova lei como aquilo que era possível fazer nas atuais circunstâncias e momento histórico.

Para Dagmar Zibas (2005), a nova LDB foi um novo paradigma educacional que passou a orientar a maior parte das reformas no Ensino Médio e profissional, conhecidas no mundo nos anos 1990. Críticas como as de Libâneo (2012) apontam que os professores tornaram-se gestores de saberes a serem transmitidos aos jovens, enquanto esses últimos passaram à condição de clientes. Ao citar Bourdieu (1998), Almeida (2005) afirmou que o cerne da proposta liberal vencedora naquele momento era o de desmontar qualquer defesa das forças de conservação que pudesse existir contra o mercado puro, a exemplo das nações, dos grupos de trabalho, dos sindicatos, das associações cooperativas e até das famílias.

Considerações finais

Dessa maneira, Almeida (2005) também contextualizou o período das reformas e a atuação da Nova Direita brasileira no tocante ao avanço do neoliberalismo e desorganização da esquerda. Em sua argumentação, a autora apontou o ambiente político cultural de uma forma aproximada ao que realizou o filósofo moderno Montesquieu em “Do Espírito das Leis” (1973), quando caracterizou o pensamento, os interesses e as ações das pessoas envolvidas diretamente no processo de criação das leis que deveriam reger o povo francês no século 18. Contudo, a autora utilizou-se de outro pensador francês, Michel Foucault, ao apontar sua perspectiva sobre três tipos de governo, a saber: o autogoverno (de cunho moral), o governo familiar (que diz respeito à economia) e o governo do Estado (que diz respeito à política). Sob essa linha de pensamento, verificamos que os anos 1990 marcaram um período de transição do governo do Estado para o governo da família, focado no âmbito econômico, quando temos a forja de um novo tipo de indivíduo, desta vez, não um cidadão, mas um consumidor, completamente desenvolvido em um ambiente de mercado, conforme foi descrito na teoria do economista liberal clássico Friedrich Hayek. Um indivíduo com formação prevalente de aspectos técnicos e de competitividade, em vez dos que seriam aspectos de solidariedade, no escopo da ideia de cidadania, como se pensava nos anos 1980.

 

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. de F. Política Educacional brasileira na Década de 1990. Cadernos de História da Educação. nº. 4, jan./dez. 2005.

CURY, C. R. Por um Plano Nacional de Educação. Cadernos de Pesqiusa, v. 41, nº. 144, set./dez. 2011.

DOURADO, L. F. et al.  Plano Nacional de Educação (2011-2020) como política de Estado. Revista Brasileira de Educação, v. 16,  n. 47, maio/ago. 2011.

LIBÂNEO, J. C. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Educ. Pesqui. [online], v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.

MONTESQUIEU, C. Do Espírito das Leis. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973.

ZIBAS, D.  Refundar o ensino médio? Alguns antecedentes e atuais desdobramentos das políticas dos anos de 1990. Educ. Soc. [online], v. 26, n. 92, p.1067-1086, 2005.

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