
A constituição histórica da Educação Infantil no município de Aracruz – ES: perseguindo os rastros deixados pelo caminho
Maria Lúcia de Resende Lomba
Residente pós-doutoral (2023-2025) no programa de pós-graduação Mestrado Profissional Educação e Docência (PROMESTRE) da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutora em Educação (2023/2024) pela FaE/UFMG, com bolsa CNPq. Pós-doutora (2022) pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal. Doutorado pela UFMG e Mestrado pela UFES com graduação em História, em Filosofia e em Pedagogia. Compõe o Conselho Editorial da Revista Brasileira de Educação Básica (RBEB) e coordena o Grupo de Estudos e Escrita de Professores e Pesquisadores da Educação Básica (Geeppeb), um coletivo que visa contribuir com a prática formativa de autoria de professoras/es das três etapas da Educação Básica de diferentes regiões brasileiras por meio da escrita autobiográfica. Mais informações sobre este grupo pelo Instagram @geepeb_
E-mail: mlresende@gmail.com
Neste início do texto recorro a Ginzburg (1989) para dizer do necessário olhar atento aos detalhes que são relevantes para a explicação científica. O autor argumenta sobre a importância de trazer à luz os pormenores negligenciados, os rastros mais tímidos, porém, reveladores. Aponta a prática de caça empreendida pelo ser humano por milênios, ou seja, perseguir os rastros deixados pelo caminho em busca de pistas, de indícios, de sinais, dos vestígios deixados nas miudezas dos detalhes para compor outros fios na trama do tapete. Ainda de acordo com Ginzburg (2004, p. 14), torna-se necessário: “ler a realidade às avessas, partindo de sua opacidade, para não permanecer prisioneiro dos esquemas da inteligência”. Enfim, tão importante quanto os vestígios encontrados precisa ser a leitura a contrapelo destes, do que aparentemente não estaria escrito ou que teria sido invisibilizado.
Também recorro às proposições de Ginzburg que, em entrevista, afirma ser os historiadores “pessoas que falam a partir de um lugar – pertencem ao gênero masculino ou feminino, nasceram em determinado contexto etc. – e que, portanto, o conhecimento que produzem é localizado” (Pallares-Burke, 2000, p. 298). Nesse caminho, por meio da escuta atenta de professores/as e do entrecruzamento de uma multiplicidade de fontes, é possível conhecer e escrever parte de uma história, que, por muitas vezes, não é muito distante ou diferente de outras tantas. Muitas dessas histórias apresentam vestígios de práticas multifacetadas, que, ao longo do tempo, apontam em comum para continuidades e descontinuidades na institucionalização da Educação Infantil – EI nos municípios, como a contínua luta para suprir as listas de espera por vagas nas instituições municipais, bem como a precariedade, a inadequação e o improviso de grande parte dos espaços físicos destinados, especialmente às crianças de 0 a 3 anos.
Diante disso, neste texto, a partir de incursões realizadas durante uma pesquisa de Mestrado (Lomba, 2013), a pretensão não é explorar pontos de chegada, mas percursos e perguntas ainda a serem feitas ou respondidas, fios multicores de um tapete que ainda não foram amarrados ou que precisam ser desembaraçados (Ginzburg, 2007). O objetivo é afirmar a necessidade de conhecer e escrever a história das instituições escolares tendo em vista uma maior compreensão de suas propostas pedagógicas para a educação.
O direito à Educação Infantil no Brasil
Ao dizer da história do atendimento à criança no Brasil será necessário percorrer os muitos fios e rastros desta história. Nesta perspectiva teórico-metodológica (Ginzburg, 1989; 2004; 2006; 2007) a busca é por visibilizar pontos de conflito, tensões e relações de forças. E de acordo com Bloch (2001) a intenção é a de promover o entrecruzamento de múltiplas fontes, considerando que “os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los” (79); e ainda que a “diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, que toca pode e deve informar sobre ele” (79).
De acordo com Ginzburg (2006, p. 16), mesmo “uma documentação exígua, dispersa e renitente pode, portanto, ser aproveitada”, contudo, um dos desafios desta pesquisa foi em relação à dispersão das fontes. Tal questão refere-se aos acervos, arquivos e ao movimento de conservação dos documentos. A compreensão de Bloch (2001) a respeito das condições de acesso aos documentos auxiliou na inclusão dessa dimensão nas análises realizadas. Esse autor compreende que “os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito [de não se sabe] qual misterioso decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise” (Bloch, 2001, p. 83).
Quanto à história do atendimento à criança no Brasil, para Kuhlmann Jr. (2010), em primeiro lugar, importa considerar a necessidade de superação da linearidade e da “polaridade entre assistência e educação, representando o mal e o bem, como em um conto de fadas”. Para ele, a linearidade desconsidera que tais instituições se constituíram como educacionais, sendo algumas delas pensadas exclusivamente para os mais pobres e outras não. O fato é que, no Brasil, na década de 1970, se observa um movimento de expansão do atendimento a crianças menores de 7 anos (até então a idade de ingresso no Ensino Fundamental), especialmente àquelas entre 4 e 6 anos. Esse atendimento foi realizado prioritariamente por instituições privadas, sendo a população pobre atendida, sobretudo por organizações de caráter comunitário e filantrópico, com ou sem apoio de órgãos governamentais (Kuhlmann Jr., 2010; Kishimoto, 1988). Na ausência de reconhecimento do direito da população a contar com esse serviço, aliado a indefinições sobre o caráter do atendimento – assistencial ou educacional –, estes órgãos prestavam apoio financeiro de forma descontínua e pulverizada, dificultando a superação do caráter precário do serviço. Em geral, o que se observava eram instalações improvisadas, não raro, inadequadas, para a habitabilidade e para os fins de instituição de acolhimento e educação de crianças, com pessoal, em geral, mulheres com baixa escolaridade e sem qualificação profissional, ausência de projeto pedagógico e de recursos materiais adequados para apoiar o desenvolvimento das crianças e assegurar-lhes condições de bem-estar (Kramer, 1984; Vieira, 1986; Rosemberg, 1987; 1989; 1992; 2001).
O processo de institucionalização da EI como parte da educação formal inicia-se com a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), que pela primeira vez reconheceu como um direito das famílias e das crianças de até 6 anos a educação em creches e pré-escolas. Essa conquista resultou da ampla participação, não só dos movimentos de redemocratização do país, mas também dos movimentos comunitários, movimentos de mulheres, de trabalhadores e das lutas dos próprios profissionais da educação. Dois anos depois, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069 (Brasil, 1990), reafirmava, em seu artigo 54, inciso IV, o dever do Estado de assegurar às crianças de 0 a 6 anos de idade o atendimento em creches e pré-escolas.
E assim, legalmente, a Educação Infantil integra-se ao sistema de ensino desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN), Lei nº 9.394 (Brasil, 1996). Esta Lei insere a EI como primeira etapa da Educação Básica e regulamenta o direito à EI, distinguindo creche e pré-escola apenas por subfaixas etárias: de 0 a 3 anos, creche e de 4 a 5 anos, pré-escola. Importa ressaltar duas importantes mudanças introduzidas na EI brasileira após a promulgação desta lei: uma em relação à idade prevista para o término da pré-escola, que passou de 6 para 5 anos, antecipando a entrada da criança no Ensino Fundamental, a partir de 2006,[1] e outra que determina a obrigatoriedade de matrícula e frequência na pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos, a partir do ano de 2013.[2]
De fato, a trajetória de constituição e difusão das instituições de EI no Brasil, assim como a história da infância e da criança, foram marcadas por diversas concepções e práticas ao longo do tempo. A história da EI brasileira ao longo do século XX produziu uma diversidade de concepções e finalidades que resultaram em grande variedade de formas de atendimento às crianças. Em meio a essa diversidade, surgiram diferentes nomeações, tanto para as instituições – creche domiciliar, comunitária, filantrópica, creche casulo, orfanato, internato, escolinha, maternal, pré-escola, jardim de infância, entre outras formas de atendimento (Kuhlmann Júnior, 2010) – quanto para as trabalhadoras – babá, pajem, monitora, auxiliar, recreadora, profissionais de creche, educadora, professora, entre tantas outras denominações (Silva, 2008). De acordo com a Lei nº 9.394/1996, o profissional para atuar nos cuidados e na educação das crianças é o professor, com formação em nível superior, admitindo-se como formação mínima a obtida em nível médio na modalidade Normal. Esta lei estabelece a função docente para toda a Educação Básica e o cargo de professor tanto para o profissional da creche quanto para o da pré-escola.
As mudanças pós-Lei nº 9.394 (Brasil, 2013) e a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009) têm proporcionado significativas transformações no que concerne à docência em instituições de EI, especificamente no que se refere a cuidar e educar crianças de 0 a 5 anos. A alternância de uma tradição que historicamente esteve situada na área da assistência para uma concepção centrada na importância da inserção das crianças em espaços educacionais públicos de cuidado e educação, desde a mais tenra idade, denota que o campo da EI tem buscado evidenciar especificidades no trabalho com as crianças.
Tanto a Constituição e, posteriormente, a regulamentação por parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) quanto a Lei nº 9.394 (Brasil, 1996) estabelecem a competência dos municípios com relação à EI, permanecendo os estados federativos corresponsáveis pelo Ensino Fundamental e pela Educação Infantil. Em muitos municípios brasileiros, verifica-se até meados da década de 1990 a presença de atendimento na rede pública por meio dos jardins de infância e das creches casulo,[3] sendo estas, mais tarde, transferidas da Secretaria Municipal de Ação Social para a Secretaria Municipal de Educação.
Esta passagem das creches – da assistência para a educação – quanto à destinação dos jardins de infância e creches casulos aos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) refletem uma mudança conceitual definida pela LDBEN (Brasil, 1996), iniciada na Constituição Federal (Brasil, 1988), que coloca creche e pré-escola no capítulo da educação. Afinal, o que muda com a vinculação das creches e pré-escolas ao sistema educacional? Para Kuhlmann Júnior (2007, p. 55) esta vinculação “representa uma conquista do ponto de vista da superação de uma questão administrativa que mantinha um segmento de instituições educacionais específico para os pobres, segregado do ensino regular, com todo o peso dos preconceitos relacionados a isso”. No entanto, a solução para as muitas desigualdades provenientes das estruturas físicas e de pessoal, da diversidade das formas de atendimento às crianças de 0 a 5 anos, não ocorre somente com a passagem das creches e pré-escolas da assistência para a educação. Assim, é imprescindível superar esta linearidade para não obscurecer o presente que se quer pôr em questão.
Considerando a história dos jardins de infância e das creches casulo, algumas características apresentam-se comuns, como o improviso dos espaços físicos, uma vez que iniciaram suas atividades em espaços ociosos, como galpões e casas cedidos por particulares ou instituições religiosas. Outra característica presente se trata da necessidade de angariar fundos por meio de festas, rifas e concursos envolvendo as crianças e seus familiares, entre outros meios, havendo, portanto, a participação das famílias e da comunidade em geral na manutenção financeira destas instituições. Em quatro históricos, contam a insuficiência de verbas, especialmente nos primeiros anos de funcionamento. Como exemplo, no caso do Jardim de Infância Epifânio Pontin, os funcionários se colocavam à disposição para a realização de rifas, festas e pedidos aos pais para que fizessem doações para a compra de “computadores, jogos pedagógicos, geladeiras, balanço, videocassete, aparelho de som, ventiladores” (Proposta Pedagógica…, 2012).
No caso do Jardim de Infância Epifânio Pontin, verificou-se no livro de registro de reuniões (1980-2012) que, até o ano de 2006, uma das formas de arrecadação de verbas era através do caixa escolar.[4] Diferentemente dos jardins de infância, ainda por volta do ano de 1988, as crianças que frequentavam as creches casulo eram atendidas por monitores, profissionais que, em sua maioria, não possuíam formação adequada para o atendimento às crianças. Segundo estes históricos, nas creches casulo o atendimento era destinado às crianças de 0 a 6 anos de idade em horário integral, das 6 às 18 horas, inclusive durante o mês de janeiro. Registra-se ainda que nestas instituições as atividades centravam-se, basicamente, na alimentação, abrigo e lazer das crianças, sendo as crianças atendidas pelas monitoras. Já os jardins de infância realizavam matrículas somente para as crianças de 4 a 6 anos em horário parcial, destinando o mês de janeiro e parte do mês de julho às férias das crianças e professoras – profissionais habilitadas em curso de Magistério. De acordo com o Livro Registro de Reuniões (1980, p. 2) do Jardim de Infância Epifânio Pontin, no ano de 1980, esta escola vendeu dois livros aos familiares, objetivando a realização de atividades com as crianças: Vamos à escola e Matemática no jardim. Já no ano de 1981, esses livros foram substituídos por outros dois: Matemática mágica e Livro de prontidão e lições. Estes dois permaneceram até o final do ano de 1986, quando foram substituídos por outro: As brincadeiras de Camila. Além dos nomes desses livros,[5] nenhuma outra informação foi encontrada quanto ao conteúdo.
Durante a produção e análise dos dados, embora tenha encontrado, nos históricos, os critérios citados anteriormente – que definiriam as condições para a matrícula da criança em uma creche casulo ou em um jardim de infância –, verifica-se, nestes textos, que nem todas as crianças permaneciam em tempo integral nas creches. Quanto à idade para matrícula nos jardins, em entrevista com uma das participantes desta pesquisa que frequentou o segundo Jardim de Infância de Aracruz/ES, fundado em 1970, ela declarou que passou a frequentá-lo antes de completar dois anos de idade, situação observada também pelas fotografias das crianças atendidas no Jardim de Infância Sauassu e Epifânio Pontin, principalmente durante a década de 1970.
Para Kuhlmann Júnior (2007), o que diferencia as creches e pré-escolas “não são as origens nem a ausência de propósitos educativos, mas o público e a faixa etária atendida. É a origem social e não a institucional que inspirou objetivos educacionais diversos” (Kuhlmann Jr, 2007, p. 53-54). De acordo com suas pesquisas, na história “das instituições pré-escolares destinadas à infância pobre, o assistencialismo, ele mesmo foi configurado como uma proposta educacional específica para esse setor social, para a submissão não só das famílias, mas também das classes populares” (Kuhlmann Júnior, 2007, p. 54). Nesse caso, educação não é sinônimo de emancipação, mas uma “pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para o receber” (Kuhlmann Júnior, 2007, p. 54). Nesse sentido, a pobreza já representa uma concepção educacional.
Projeto Político Pedagógico na Educação Infantil
No campo da EI brasileira, especialmente a partir da LDBEN (Brasil, 1996), houve avanço nas pesquisas e também no plano legal, contudo diversos estudos apontam que, a expansão do número de matrículas na EI nem sempre vem acompanhada por práticas de cuidado e educação que realmente atendam os princípios almejados pelas políticas educacionais, tais como: infraestrutura, materialidade, propostas pedagógicas e formação de professoras são alguns dos desafios presentes (Silva; Luz, 2019).
Diante da complexidade que envolve os processos de aprendizagens para o exercício da docência na EI, destaco que a organização das propostas de trabalho a serem desenvolvidas pelas professoras junto às crianças de 0 a 5 anos pelas professoras, de acordo com as DCNEI (Brasil, 2009), devem considerar como eixos as interações e as brincadeiras; os princípios éticos, políticos e estéticos; a indissociabilidade entre o cuidar e educar; e a criança como ser integral que se relaciona com o mundo a partir do seu corpo em vivências concretas com diferentes parceiros e em distintas linguagens.
As DCNEI (2009) preconizam que as crianças aprendem narrando, tocando, experimentando, perguntando e interagindo num complexo processo mediado por diferentes linguagens. Ou seja, experiências que a criança necessita viver com o corpo por meio das brincadeiras e interações sociais, o que a constitui como sujeito cultural e simbólico ao mesmo tempo em que estas experiências são constituídas, significadas e transformadas pelas crianças. O objetivo é o de ampliar e diversificar as experiências das crianças, diferentemente das ações direcionadas a elas no ambiente familiar ou das atividades desenvolvidas no Ensino Fundamental, o que demanda uma formação específica por parte de todas/os as/os profissionais envolvidos.
Quanto à elaboração de diretrizes orientadoras de práticas de cuidado e educação intencionalmente oferecidas aos bebês e demais crianças na EI, no artigo Tensões universais envolvendo a questão do currículo para a EI, Haddad (2010) nos apresenta o contexto no qual o fazer pedagógico tem sido pensado nas políticas públicas de EI em uma perspectiva internacional. São questões também presentes no debate brasileiro, refletidas nas diferentes tendências que se manifestam nas produções acadêmicas e na elaboração dos documentos oficiais, sendo elas: a polarização desenvolvimento infantil versus preparação para a escola; diretrizes gerais versus orientações prescritivas; e campos de experiência versus áreas de conhecimento.
Sobre estes dilemas e tensões que envolvem a elaboração das diretrizes orientadoras das práticas na EI, Haddad (2010) pontua que a ênfase sobre um ponto ou outro, como, por exemplo, sobre desenvolvimento ou sobre a escolarização está fortemente relacionada à maneira como políticas públicas relativas à infância são definidas em cada sociedade e refletem o embate sobre o papel da EI em relação ao que se espera que a criança saiba e faça ao participar desta etapa da educação básica. Em termos de desenho curricular o desafio é trabalhar, sobretudo a sensibilidade do profissional para uma aproximação real da criança, compreendendo-a do seu ponto de vista, e não do adulto (Haddad, 2010).
Considerações finais
Com os dados apresentados, observa-se que, os estudos apresentados entre os anos de 1970 a 2000 demonstram que a história da Educação Infantil está pautada na insuficiência de vagas, especialmente para as crianças de 0 a 5 anos e, mais recentemente, a falta de vagas para as crianças até 3 anos, depois que a Educação Infantil se tornou obrigatória para as crianças de 4 e 5 anos (Brasil, 2013). Já a década de 1970 foi o período da expansão do atendimento às crianças de 0 a 6 anos e da implantação do Projeto Creche Casulo, representa um rastro expansionista, contudo sem a exigência da formação profissional, fazendo uso, especialmente, do trabalho voluntário e do envolvimento da comunidade na manutenção destas instituições (Lomba, 2013).
Essas similaridades e descontinuidades mudam um pouco em decorrência da legislação, principalmente da Lei nº 9.394 (Brasil, 1996, 2013), no que diz respeito à atribuição aos municípios da responsabilidade pela EI, assim como a exigência de maior qualificação profissional para o desenvolvimento do trabalho nesta primeira etapa da Educação Básica. Trata-se, sobretudo, de buscar práticas pedagógicas significativas, o que exige formação profissional e por vezes, rever concepções que ainda predominam nas instituições, mas envolve também a busca por melhores condições de trabalho e plano de carreira (Lomba, 2013).
E por fim, recorro a Nóvoa (2017) que nos propõe repensar as nossas instituições e as nossas práticas, a fim de construirmos programas de formação que nos permitam superar a distância entre a universidade e a Educação Básica, visto que ser professor/a é compreender os sentidos da instituição escolar, integrar-se, aprender com os colegas mais experientes, já que é, em grande parte, na escola, entre os pares, e no diálogo com as universidades que se aprende a profissão docente. Entre os seus argumentos, encontra-se a relevância do trabalho pelo bem comum na vida pública de um professor, proposta que visa uma formação docente aliada ao desenvolvimento pessoal, à colaboração profissional, ao desempenho pedagógico, à investigação contínua e à intervenção pública, configurando um professorado preparado para enfrentar os desafios e as responsabilidades da educação contemporânea.
Referências
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[1] A Lei nº 11. 114, de 16 de maio de 2005, torna obrigatória a matrícula das crianças de 6 anos de idade no Ensino Fundamental, e a Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, amplia o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de 6 anos de idade, e estabelece prazo de implantação, pelos sistemas, até 2010.
[2] A Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
[3] As creches casulos caracterizavam-se por um atendimento de baixo custo para as crianças de 0 a 6 anos. Sobre o Projeto Casulo, publicado pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1977, e sua relação com o Regime Militar e com o MOBRAL, ver: Rosemberg, 1989; 1992; 2001.
[4] A cada ano, o Jardim de Infância confeccionava os carnês com um valor mensal estipulado pelos presentes nas reuniões. Este valor mensal é denominado nos registros por contribuição espontânea ou voluntária dos familiares das crianças. Contudo, encontra-se registrado que aqueles que não tivessem condições de contribuir deveriam procurar a diretora da instituição no horário de atendimento da escola para exposição dos motivos, o que poderia gerar a suspensão da contribuição.
[5] Não foram encontradas referências dos cinco livros citados no Livro Registro de Reuniões (1980, p. 2) do Jardim de Infância Epifânio Pontin.

LOMBA, Maria Lúcia de Resende. A constituição histórica da Educação Infantil no município de Aracruz – ES: perseguindo os rastros deixados pelo caminho. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 8, Número 34, Maio, 2025, ISSN 2526-1126. Disponível em: (link). Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).
Imagem de destaque: Maria Lúcia Lomba – Desfile 7 setembro 1981 Aracruz ES