
Ensino de História no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG: colonial ou decolonial?
Ana Clara de Sousa Duarte
Sou graduanda em História – Licenciatura pela UFMG. Logo no início da graduação, descobri meu interesse pela educação e, desde então, venho me dedicando a atividades de pesquisa e extensão voltadas para o ensino de História. Dessa forma, participei do PIBID, do projeto Cadernos da EJA e das pesquisas “O ensino de História no MHNJB/UFMG: colonial ou decolonial?” e “Debates e controvérsias na primeira versão da BNCC de História: disputas pelo currículo escolar”.
E-mail: aanacduarte@outlook.com
Maria Eduarda Soares Simões
Atualmente, trabalho como estagiária em um colégio de educação básica, atuando como monitora no Fundamental II e Ensino Médio. Minha trajetória inclui experiências na área de memória e mediação cultural, com pesquisa em arquivos, educação patrimonial e museal e desenvolvimento de materiais didáticos.
E-mail: mariaesoares13@gmail.com
Júlio César Virgínio da Costa
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais lotado no Centro Pedagógico. Possui graduação em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte (1997), Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2016) e Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007). Também possui especialização em Metodologia do Ensino Superior (CEPEMG/UEMG/1999); especialização em História do Brasil Contemporâneo (UNI/BH/2003) e especialização em História e Cultura Afro-Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/2012. Foi avaliador de obras (parecerista) do PNBE – Temático 2013. Atuou no projeto de pesquisa “Os Jovens e a História” (UEPG/2012). Tem experiência na área de História, com ênfase no Ensino de História, atuando principalmente nos seguintes temas: Formação de Professor, Ensino de História, Educação Museal, Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira.
E-mail: juliocesarhistoria@gmail.com
Se o teatro da Memória é um espaço de espetáculo que evoca, celebra e encultura, o Laboratório da História é o espaço de trabalho sobre a memória, em que ela é tratada, não como um objetivo, mas como objeto de conhecimento. No museu, principalmente no museu histórico, que superou a função de repositório e dispensador de paradigmas visuais, a inteligibilidade que a História produzir será sempre provisória e incompleta, destinada a ser refeita. Daí, porém, sua fertilidade. (MENESES, 2005)
Introdução
Os museus, que já fazem parte do cotidiano brasileiro há muito tempo, podem apresentar uma perspectiva sócio-histórica excludente ao evocar imagens canônicas que representam uma versão da história fechada para a diversidade e a multiplicidade. Recusando uma abordagem que pense uma história “vista de baixo”, muitas vezes os museus optam por adotar a postura de uma “história única[1]”, que não abre espaço para os sujeitos negados e silenciados pelos currículos, pela mídia, pelos próprios museus e pela historiografia tradicional. Apesar disso, é inegável que os museus são espaços muito visitados por escolas da educação básica e que uma parte considerável desse público o faz a partir da disciplina de História, ou ainda que não seja continuamente assim, certos museus trabalham com a História mesmo quando recebem visitas das áreas de Ciências, Geografia etc.
Levar alunos aos museus faz parte do calendário de inúmeras escolas e nem sempre com certa clareza do porquê da visitação enquanto objetivo pedagógico. Porém, as visitas acontecem e em número considerável! É diante deste fenômeno que desenvolvemos um projeto para analisar as ações educativas voltadas às escolas da educação básica, especialmente as públicas, que realizam visitas ao Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG (MHNJB/UFMG) na busca do ensino de História de um Brasil antigo, de uma maior compreensão da Educação Patrimonial, da importância da conservação de bens arqueológicos, da sua conservação e do seu restauro.
Assim o fizemos também na tentativa de entender como o Educativo do museu e suas memórias podem nos ajudar a pensar se o ensino de História é uma ação, uma práxis a contrapelo, um laboratório ou um teatro da memória como nos instiga a pensar Menezes (2005, p. 51). Ou seja, há nos museus, especialmente em seus Educativos, a compreensão dessa diferença? Espaço de trabalho sobre as memórias, não eurocêntricas, mas as mais plurais? Onde o subalterno possa falar, onde, em nosso caso, os povos originais de Minas tenham o mesmo espaço de reflexão de outros povos e sua história não seja silenciada ou secundarizada?
Isto é, será que os museus ainda são apenas repositórios e perpetuadores de uma história canônica? História esta que perpetua as hierarquizações, silencia suas violências e muitas das vezes naturaliza os desequilíbrios existentes na sociedade? Uma história em que os vencedores ainda ditam a narrativa como nos esclarece Brulon (2020) em relação à constituição dos museus no Brasil a partir do século XIX?
Sendo assim, este artigo tem o objetivo de apresentar, através de indícios documentais e de relatos de observação direta em campo, elementos da pesquisa realizada entre 2022 e 2023 no Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG. A pesquisa buscou compreender o ensino de História na instituição, considerando seu caráter de museu universitário, através da identificação, análise e descrição das ações educativas e vestígios históricos do setor Educativo, em especial, as ações direcionadas à exposição de arqueologia que contempla uma história datada de 14 mil anos atrás.
Segundo Arjun Appadurai e Carol A. Breckenridge, os museus são bons para pensar e
Os museus também pertencem às formas alternativas da vida e do pensamento modernos, que estão emergindo em nações e sociedades por todo o mundo. Essas formas alternativas tendem a ser associadas à mídia, ao lazer e ao espetáculo, são frequentemente associadas a abordagens nacionais auto-referenciadas do patrimônio e estão ligadas a ideologias transnacionais de desenvolvimento, cidadania e cosmopolitismo. (APPADURAI; BRECKENRIDGE, 2004, p. 11)
Acreditamos que os museus realmente são “bons para pensar”, mas pensar sobre o quê? Sobre o nacionalismo, como apontado? “As ideologias transnacionais de desenvolvimento”? Ou sobre a cidadania? Partimos do princípio de que a história do Brasil não se inicia com a chegada/invasão dos europeus. Os museus instigam essa reflexão? Pensar que nós temos uma longa história a ser contada através do patrimônio histórico? Ou esses axiomas todos listados?
Dessa maneira, o objetivo da pesquisa que dá origem a este texto foi identificar se as ações do setor Educativo do MHNJB/UFMG promovem um ensino eurocêntrico ou decolonial para grupos escolares da educação básica e se o museu é percebido como um “laboratório/fórum” ou como um “teatro da memória/templo”.
Quanto à metodologia desenvolvida, é importante destacar que, além de ser de natureza qualitativa, ela se enquadra na tipologia de um estudo de caso. Este estudo contou ainda com o suporte metodológico da pesquisa descritiva, aplicada especificamente ao setor Educativo do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG.
As concepções metodológicas que foram mobilizadas na escolha estão ancoradas no pressuposto de que o estudo de caso “permitirá inicialmente fornecer explicações no que tange diretamente ao caso considerado e aos elementos que lhe marcam o contexto” e auxiliadas por outras estratégias de pesquisa (LAVILLE, 1999, p. 155).
O caráter de estudo de caso descritivo possibilitou uma série de instrumentos/coleta de dados que foram analisados, preponderantemente, os documentos/vestígios históricos produzidos pelo setor Educativo do museu para que as visitas escolares possam ser realizadas ao longo do ano letivo.
Segundo Laville (1999), a grande vantagem da estratégia do estudo de caso é a oportunidade de um aprofundamento, pois os recursos serão concentrados em um determinado local, contexto e documentação. Aprofundando essa consideração, o autor ainda nos afirma que
Ao longo da pesquisa, o pesquisador pode, pois, mostrar-se mais criativo, mais imaginativo; tem mais tempo de adaptar seus instrumentos; modificar sua abordagem para explorar elementos imprevistos, precisar alguns detalhes e construir uma compreensão do caso que leve em conta tudo isso. […] pode crer que, se um pesquisador se dedica a um dado caso, é muitas vezes porque ele tem razões para considerá-lo como típico de um conjunto mais amplo do qual se torna representante, que ele pense que esse caso pode, por exemplo, ajudar a melhor compreender uma situação ou um fenômeno complexo, até mesmo um meio, uma época. (LAVILLE, p. 156)
Em nosso caso, esse esclarecimento vai de encontro ao proposto, pois estamos diante de um museu universitário, que encontra relação com outros museus no Brasil, e como se trata de uma pesquisa sobre o ensino de História, é um museu muito visitado pelas escolas de Educação Básica de BH e da região metropolitana que ensinam a Pré-história do Brasil e de Minas. Sem falar na riqueza do complexo que compõe toda a estrutura:
O Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG (MHNJB/UFMG) está instalado em uma área com aproximadamente 600.000 m², possui vegetação diversificada e típica da Mata Atlântica, que reúne, além das nativas, espécies exóticas. Dispõe de um acervo formado por aproximadamente 24.000 itens entre peças e espécimes científicos preservados e vivos (coleção científica de plantas e reserva vegetal) e contextualizados nas áreas da Arqueologia, Paleontologia, Geologia, Botânica, Zoologia, Cartografia Histórica, Etnografia, Arte Popular e Documentação Bibliográfica e Arquivística.
Integrando as áreas citadas também podem ser mencionados livros e periódicos, nacionais e estrangeiros, que se encontram na biblioteca do MHNJB/UFMG, assim como um expressivo conjunto de fotos e de documentos do museu, incluindo aqueles relativos ao Presépio do Pipiripau. Parte desse acervo encontra-se exposto e pode ser visitado.
O Museu dispõe ainda de um auditório, de um viveiro de mudas, uma lagoa, um anfiteatro ecológico e um jardim sensorial.
Fonte: https://www.ufmg.br/mhnjb/institucional/. Acesso em 31.01.2022.
Essa característica do lócus justifica a escolha, também, do suporte da pesquisa descritiva pela própria natureza do espaço pesquisado que abrange uma longa história de existência, de um acervo expositivo de grande monta e pela estrutura do próprio ambiente e por seus mais de 30 mil visitantes por ano.
Essa etapa da pesquisa foi extremamente profícua, porque pode nos possibilitar percebermos in loco e não por um discurso de terceiros como os estudantes e as escolas reagem ao trabalho do setor Educativo, o processo da visita desde a marcação até os combinados, sua efetivação e, principalmente, a mediação feita pelos educadores (bolsistas) do museu.
Museus como espaços fundamentalmente educativos
Museu: um núcleo vivo, oficina ativa, centro de estudos, laboratório, escola.
Guimarães Rosa (1958)
Entendemos os museus como espaços fundamentalmente educativos que são “palco para encenação de identidades forjadas por relações de poder sedimentadas pelo tempo desde a colonização” (BRULON, 2020) e, neste contexto, pensamos que a pedagogia decolonial é aquela que propõe um giro epistemológico nas formas de ver, atuar e estar no mundo. Segundo o projeto do grupo Modernidade/Colonialidade, a colonialidade pode se manter viva “em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no senso comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa vida moderna” (TORRES, 2007, p. 131 In: CANDAU & OLIVEIRA, 2010, p. 18.). É nessa perspectiva que entendemos que a colonialidade poderá estar presente nos museus: na forma de pensar suas exposições, nas ações do setor Educativo e nas mediações das visitas escolares.
Ademais, buscamos entender se essas ações do MHNJB trabalham o museu na perspectiva de “teatro da memória” ou de “laboratório da história”. Segundo Ulpiano Meneses (2005), o primeiro é um espaço de celebração e enculturação da memória, enquanto o segundo é um ambiente de trabalho sobre a memória, onde ela é tratada como objeto de conhecimento. Muito na direção sinalizada por Guimarães Rosa como “um núcleo vivo, oficina ativa, centro de estudos, laboratório, escola”.
Para o desenvolvimento da pesquisa, na fase de campo, fizemos uso da observação direta com o suporte do caderno de campos e o trabalho de coleta e análise de documentação. Esse período abrange os anos de 2022 e 2023, no qual acompanhamos 15 visitas escolares e analisamos fotos, documentos de formação, jornais e relatórios.
Já é um fato consagrado que não aprendemos apenas na escola, mas também nos sindicatos, nas igrejas, nas associações e, também, nos museus. Museus que já estão consolidados em nosso imaginário, nem sempre de forma crítica, decolonial e antirracista. Mas, o fato é que muitas visitas ocorrem nesses espaços, e muitas delas são visitas escolares.
Nesse sentido, os museus são espaços educativos porque buscam retratar uma série de elementos da vida humana e não humana, da trajetória das sociedades e suas mais diversas manifestações. Manifestações que muitas das vezes não têm espaço em outros lugares e de maneira muito diversa, porque muitos museus operam com o onírico, com o imagético e com problemáticas peculiares àquele campo ou nicho. O museu apresenta sua narrativa via objetos musealizados, ou seja, os objetos ali expostos não foram criados para estar ali. Da mesma forma, as descobertas das escavações muito menos.
Ao selecionar uma posição, escolher a luz e o local da exposição, o museu opera com sua subjetividade. Ou seja, os museus não são isentos de ideologias. Não podemos adentrar no museu ingenuamente. Devemos adentrar com a mente disposta ao sonho, sim, ao estético, sim, à surpresa, sim, mas não de maneira ingênua, repetimos. O museu e sua exposição apresentam certas ideias estabelecidas, por isso, o cuidado é necessário. O questionamento é sempre bem-vindo porque ele é o elo para o diálogo. Sem eles, os museus nos devoram. Por isso é imperioso pensarmos, como será que o museu educa? Será que essa educação vai para qual direção? Ela reafirma o já posto? Ou ela nos desloca para outras possibilidades?
Costa (2016, p. 24), refletindo sobre as visitas escolares nos museus, nos instiga a pensar que “também é possível entender e investigar esse espaço de memória – acepção de uma educação museal – e também de esquecimento, para além do mero complemento ou confirmação do que foi visto em aula”. Ou seja, não podemos cair na armadilha denunciada há tanto tempo no clássico texto de Maria Margaret Lopes (1983) “A favor da desescolarização dos museus”, em que a autora, depois de uma contextualização das questões museais no Brasil, nos faz esse alerta. O museu se rendeu às escolas, o que o fez perder sua característica principal para se adequar ao público escolar que era/é a sua maior plateia. Os museus não são, segundo a autora, complementos da escola no sentido de continuidade. Eles possuem sua própria essência e por isso podem questionar o saber escolar e o senso comum, especialmente um museu universitário. Mas não podem ser escolarizados como o foram durante muito tempo no Brasil.
Daí uma enorme preocupação para que esses espaços se libertem dessas amarras, porque elas deslocam o museu de seu papel provocador, dinâmico e totalmente diferente de uma escola. Uma postura que Costa (2016, p. 25-26) “acredita que possa ser uma experiência/travessia e uma prática pedagógica que também, não exclusivamente, venha a promover uma educação para a sensibilidade, para uma postura mais crítica e reflexiva de nossa presença no tempo ou nos tempos históricos e, como nos afirma e esclarece Pereira (2009), ser uma oportunidade para uma leitura/usufruto do mundo. Não querendo afirmar que os ambientes museais não educam, claro que não! Mas não são como as escolas e não o devem ser. Devem contribuir à sua maneira.
Nesse sentido, Costa (2016, p. 28) reflete sobre a necessidade de pensar nos museus em uma gramática que implicaria também pensá-lo a partir de nosso tempo. Do presente vivido, pois, sem esse ancoramento, Ramos (2004, p. 21) acredita que não haverá meios de construir conhecimento sobre o passado. Fazendo uma reflexão que contraria certa visão de museus enquanto lugares de coisas velhas e de uma História que opera com o passado apenas.
Nessa direção, segundo Nascimento (2005), “a prática educativa do museu passa a constituir avenidas possíveis sobre as quais o visitante, ator da construção de novos conhecimentos, traça seus próprios caminhos”. Mas, como o ensino de História é efetivado nesse espaço? Uma tela fixa, um cenário de morte? Um espaço instigante e com múltiplas vias a serem percorridas? Os povos originários recebem uma atenção nesse processo? Ou melhor, eles estão na centralidade do discurso museal e nas imediações do Educativo do MHNJB?
Assim, é possível pensar e conceber a educação perpassada pelo museu em suas práticas educativas ou nos percursos estabelecidos pelos estudantes, pelos profissionais do museu e pelos docentes como uma ação eminentemente relacional? Existe nesse processo uma ação educativa mediada pela estética, pela fruição, pelo sonho, pelo espanto e pela curiosidade?
Por fim, a título de exemplo, não o único, do que trata o texto de Margareth Lopes (1983) e das ideias de Costa (2016), trouxemos uma citação para nos ajudar.
Seriam museus que trabalhariam com objetos, em uma perspectiva denominada de semióforos. Expressão desenvolvida por Pomian (1977, Apud MENESES, 2005, p. 26) e que seriam segundo Meneses (2005, p. 26), “objetos excepcionalmente apropriados e exclusivamente capazes de portar sentido, estabelecendo uma mediação de ordem existencial (e não cognitiva) entre o visível e o invisível, outros espaços e tempos, outras faixas de realidade.”. Ou seja, seriam objetos ou signos, na perspectiva polifônica de Bakhtin (1992), portadores de uma pluralidade de significação. Para o autor, o signo é móvel, plural, polivalente, portanto, penso eu, polifônico também. Polifônico também, porque, a partir das várias possibilidades de enunciações narrativas, apropriações e usufrutos, poderá despertar formas mais críticas e reflexivas de inserção na promoção de práticas educativas mais emancipatórias. (COSTA, 2016, p. 26)
Pereira e Siman (2009, p. 7), fazendo alusão à questão relacional das práticas educativas via instituições museais, nos esclarecem que a natureza relacional da ação educativa em museus ou perpassada por eles “é uma das formas de conceber a relação museu escola – como via de mão dupla, em que estão educadores em diferentes lugares, mas que podem fazer convergir suas ações educativas”.
Segundo Cury (2010), no museu, ensina-se e aprende-se de maneiras diferentes com relação à escola e a outras instituições. A autora utiliza, na sua estrutura argumentativa, a categoria comunicação e nos informa que entende a comunicação como interação, ou seja, “espaço” de negociação do significado da mensagem, considerando que a mensagem é uma proposição do emissor a ser discutida com o receptor.
Sendo assim, passamos para o campo no qual a pesquisa foi desenvolvida e que nos trouxe uma série de elementos para pensarmos o ensino de História em museus.
O museu, os indícios e a pesquisa
Quando chegamos ao museu, encontramos um lugar cheio de possibilidades. As diversas exposições, aliadas à imensa reserva de Mata Atlântica por onde se iniciam todas as visitas escolares, permitem que o aprendizado de História, Antropologia, Arqueologia, Biologia, entre outros, ocorra de várias maneiras. Frente a isso, nos debruçamos sobre a exposição da Arqueologia, as visitas cujo foco eram o ensino de História, as atividades realizadas com as escolas e os vestígios de atividades que eram realizadas no passado para entender se o MHNJB da UFMG promove um ensino de História colonial ou decolonial e se trabalha na perspectiva de um “laboratório/fórum” ou de um “teatro da memória/templo”.
Nesse processo, o acompanhamento às visitas escolares foi uma das partes mais importantes da pesquisa. Todas as visitas que acompanhamos, cujo foco era a arqueologia histórica, eram iniciadas com uma trilha pela reserva da Mata Atlântica, onde os educadores trabalhavam tanto a educação ambiental quanto o ensino de História e Arqueologia. Depois, as visitas seguiam para a exposição de Arqueologia, que conta com a reconstrução de quatro sítios arqueológicos de aproximadamente 14 mil encontrados em Minas Gerais (Florestal, Serra do Espinhaço, Buritizeiros e Peruaçu), além de urnas funerárias, armas e miçangas. As visitas poderiam, também, seguir para o Presépio de Pipiripau ou para outras exposições, como o Jardim Sensorial.
Imagem 1: Reconstrução de sítio arqueológico/MHNJB
Fonte: acervo dos autores
Imagem 2: Interior do museu-exposição de Arqueologia
Fonte: acervo dos autores
Ao contrário do que se poderia esperar, as mediações não seguem uma narrativa única e variam de educador para educador. Os educadores, que mediam as visitas escolares, são estagiários provenientes de diversos cursos da UFMG, como História, Geografia, Geologia, Biologia, Conservação e Arqueologia e, devido aos baixos valores das bolsas e à grande quantidade de trabalho, o museu enfrenta uma alta rotatividade de mediadores, que se retiram da instituição quando encontram um estágio melhor. Assim, para evitar grandes perdas, os educadores do museu não podem se especializar em apenas uma exposição ou um tipo de visita, mas devem ser capazes de mediar todas as visitas escolares. Nesse cenário, percebemos que a parte ambiental da visita era sempre muito bem mediada por educadores de todas as áreas, mas a parte histórica era frequentemente negligenciada por educadores que não provêm de cursos de ciências humanas.
Dessa maneira, encontramos um padrão: as visitas mediadas por estudantes de outras áreas que não as ciências humanas tinham a tendência de focar apenas na parte ambiental. Nessas visitas, os indígenas aparecem, geralmente, apenas em alguns pontos da trilha, como quando o grupo para em frente a um Jequitibá, e o mediador explica que a árvore era conhecida como árvore dos desejos, e que os indígenas a abraçavam e faziam seus pedidos para chegar aos deuses, uma vez que acreditavam que a árvore alcançava o céu. Exemplo que pode ser visto na imagem a seguir.
Imagem 3: Visita escolar-trilha da mata
Fonte: acervo dos autores
Notamos também que esses mediadores quase nunca nomeavam as etnias indígenas das quais estavam falando, criando uma situação que homogeiniza diversas culturas nativas. Sob essa perspectiva, a história indígena é abordada apenas como curiosidade, e não se aprofunda na complexidade de suas sociedades, culturas e modos de viver. E estamos falando de povos originários de 14 mil anos atrás. Ou seja, povos que estariam na região de Minas Gerais e Belo Horizonte muito antes da invasão europeia. Por outro lado, mediadores da área de ciências humanas trabalham a história, arqueologia e cultura de diferentes povos originários desde a trilha pela Mata Atlântica; esses educadores nomeiam as etnias indígenas que estão sendo discutidas; se aprofundam em suas culturas e costumes; ressaltam diferenças culturais e elaboram debates históricos profundos.
Alguns exemplos destas constatações foram feitos no dia 20/07/22 na visita de uma escola estadual onde os dois mediadores (1) eram bolsistas do curso de Biologia e no 1º/09/2022 com mediadores da História e da Arqueologia (2) da UFMG. Vejamos:
Exemplo 1.
“A ideia é pensar que antes da chegada dos europeus esse povo já habitava Minas Gerais. Com sua tecnologia, com sua relação com o meio ambiente”. Trecho de caderno de campo, 2022, dia 20/07/ MHNJB (Grifo nosso)
Exemplo 2.
“Vocês sabem que mata é essa?”
“Os portugueses invadiram o Brasil em 1500.” A arqueologia, a antropologia estão ligadas com nossa história!” Trecho de caderno de campo, 2022, dia 20/07 MHNJB (Grifo nosso)
Exemplo 3.
“A mata também é um museu!”
“Vou chamar o Curupira com apito.” Trecho de caderno de campo, 2022, dia 1º/09 MHNJB
Neste momento, o mediador recolhe um fruto no chão da mata e o usa como apito, fazendo o chamado do Curupira e, depois, ele faz o resgate da lenda, valorizando nosso folclore. Na sequência ele cita o povo Krenak e mais à frente pergunta se os estudantes conhecem a Célia Xacriabá, deputada federal por Minas Gerais.
Por esses dois excertos, podemos perceber uma grande diferença nas mediações, mas como já salientado, por uma conjuntura vivida pelo museu. Mas, os dois trechos não estão ausentes de uma educação histórica, cada qual à sua maneira e com alguma indicação de que o ensino de História, mesmo não sendo o foco central da preparação dos educadores, comparece com certa força de ideias. Mas fica a cargo da experiência dos graduandos ou na universidade ou nas experiências anteriores por eles vivenciadas. E talvez, o mais preocupante, uma visita pode ser muito diferente de outra dependendo de quem está na mediação. É claro que as visitas são diferentes quando são os mesmos mediadores, mas por outros motivos. Como por exemplo, quando os mediadores conhecem os objetivos da escola e dos professores, fazem uma abordagem que possa criar pontes entre o que está sendo realizado na escola e com o museu. Não no sentido de confirmar o que foi visto, mas de ampliar as possibilidades de leitura de mundo.
Podemos identificar a potencialidade do MHNJB da UFMG, exemplo 1, quando os monitores da Biologia relatam a existência de tecnologias e saberes dos povos originários antes da chegada dos europeus, sendo uma pena que não tenha sido feita uma reflexão com os estudantes desse aspecto. Houve a citação, mas não a promoção de um “fórum” de debates e ideias. Mas as informações são inegavelmente relevantes.
Já no segundo exemplo, os portugueses não descobrem simplesmente o Brasil, eles invadem, ou seja, não eram os proprietários do lugar. Houve um avanço na questão da cultura e do folclore, os povos indígenas foram nomeados, mas também ainda não houve um ensino de História a contrapelo, decolonial ou mais crítico em relação ao Brasil. Mas, há alguns indícios que poderiam ser trabalhados com mais profundidade que possam efetivamente formular um pensar nossa história de uma perspectiva outra.
A partir dessas observações, nossa pesquisa precisava responder a uma nova pergunta: que tipo de formação para educadores permite uma variedade tão grande de discursos histórico-arqueológicos? Para respondê-la, nosso grupo partiu para a análise de outros documentos do MHNJB/UFMG.
Nesse processo, a análise do Programa de Educação Ambiental e Patrimonial (Peap) foi de suma importância para o entendimento dos objetivos do museu em relação à educação. Criado em 1989, o Peap é um projeto de extensão vinculado ao MHNJB/UFMG que surgiu com o objetivo de integrar as atividades de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas pelos centros especializados dentro do museu, além de prever o desenvolvimento de materiais educativos e de divulgação científica referentes ao meio ambiente e ao patrimônio material e imaterial. O programa se renova ano após ano, conforme os resultados do projeto. Como já sinalizado, o MHNJB é um museu universitário, fato que permite essas ações.
A partir de 2010, o site do Siex[2] comporta as produções e resultados do Peap. Parte dos resultados expostos no site do Siex é composta por resultados relacionados à visitação, ao número de visitações anuais e ao aumento do número de visitantes. Em 2010, um dos resultados foi a publicação do jornal “Fala Cutia”, voltado para a comunidade acadêmica e o público interno do museu, e a publicação também do jornal “Corre Cutia” voltado para o público externo. A partir de 2020, as ações propostas e resultados apresentados no site do Siex aumentaram muito, o que nos faz pensar que, em decorrência da pandemia, o museu precisou encontrar outras maneiras de atuar, o que levou a mais frentes de ação e mais publicações e resultados expostos no referido site.
Porém, durante o trabalho de levantamento de documentos encontramos informações mais precisas sobre a formação dos educadores e sobre o ensino de História previsto na instituição no Guia Prático do Programa de Educação Ambiental do museu. Elaborado durante os anos de 2017 e 2018, o Guia Prático é um documento destinado aos educadores do museu e que contém orientações a respeito das visitas escolares, considerações de como guiá-las e informações que os educadores precisam saber para coordenar os grupos. É previsto que, no início de toda visita escolar, os educadores devem se atentar às especificidades do grupo e ao objetivo de sua visita e devem apresentar rapidamente o museu, contando como aquele espaço saiu de um lixão para uma reserva de Mata Atlântica replantada. Identificamos que os povos originários que estão na exposição e mesmo habitaram o museu tempos atrás não são citados. Em seguida, são tratados temas previstos para a educação ambiental, descrevendo os objetos e contando algumas curiosidades.
Ao longo do texto, o Guia Prático pensa no ser humano sempre em relação ao meio ambiente, principalmente nos impactos do homem sobre a natureza. As únicas vezes, porém, em que a História e Arqueologia indígena aparecem no documento é sob a forma de curiosidades, que devem ser contadas para deixar a visita mais lúdica e interessante. É orientado que o educador conte aos visitantes que o jequitibá, que significa gigante da floresta em tupi guarani, era conhecido como Árvore dos Desejos, e os indígenas a “abraçavam e faziam seus pedidos para chegar aos deuses, pois estes acreditavam que ela alcançava o céu, já que, por vezes, não conseguiam enxergar o fim da árvore” (p. 9); também é preciso salientar que o nome da sapucaia também tem origem tupi-guarani (significa olhos que saltam), mas o texto não relaciona a cumbuca da árvore com a urna funerária encontrada na exposição da arqueologia, como alguns mediadores fizeram; a samaúma era considerada sagrada pelos maias. A história econômica do Brasil aparece em outros momentos, como quando o grupo se depara com o pau-brasil e com os pés de café.
No Guia Prático, tivemos a impressão de que o museu não aproveita todo seu potencial para o ensino de História e que deixa a Arqueologia sempre para o segundo plano, dando primazia à educação ambiental e às áreas das ciências da natureza. Arqueologia que está em direta conexão com a história do Brasil e de Minas. O trabalho arqueológico, nesse caso, municia o museu a ampliar e tratar da história de um Brasil antigo que há 14 mil anos já produzia “tecnologia”, estava no atual estado de Minas Gerais e foi invadido.
Na visita acompanhada do dia 05/05/2023, em conversa com as mediadoras, as duas da Biologia, estas consideraram o circuito na floresta mais fácil, enquanto as da Museologia acharam a exposição interna mais acessível, evidenciando a familiaridade de cada grupo com suas respectivas áreas de especialização. Nesta visita, houve também uma oficina de pintura rupestre utilizando tintas naturais. Esses elementos nos fornecem condições de identificar uma certa fragilidade na mediação. Pensemos em uma escola que leva duas turmas no mesmo dia ou em dias diferentes, e os mediadores não se repetem? Como seria o trabalho no pós-visita com esses estudantes? Poderia até ser surpreendente, mas de um modo geral, pensamos que poderia ser uma situação complexa a ser resolvida.
Imagem 4: Aluno na oficina, pintando o fruto da sapucaia que viu na visita
Fonte: acervo dos autores
Em outro momento, os documentos encontrados de maneira esparsa, porque não existe arquivo no setor Educativo, nos fornecem mais elementos de análise para a pesquisa e dessa forma podemos observar que a oficina de pintura rupestre, embora tenha proporcionado um momento de criação artística, apresenta limitações significativas em relação à sua proposta educativa, conforme os princípios da educação museal contemporânea. Ao se restringir a uma atividade recreativa e descontextualizada, a oficina deixou de explorar o rico patrimônio cultural das pinturas indígenas, como sugerido pelas pesquisas em educação museal (COSTA & SILVA, 2024). Não foi realizada nenhuma conexão com a exposição visitada. Nenhum comentário sobre as tintas feitas com materiais naturais, o que poderia levar a uma desconstrução do imaginário sobre os indígenas e ser uma ponte para um diálogo/reflexão sobre os saberes ancestrais, seus conhecimentos da natureza e como a interação respeitosa com o ambiente era e é uma marca dos povos originários.
A educação museal, como defendem Costa e Silva (2024), deve ir além da mera reprodução de técnicas artísticas, buscando fomentar o diálogo entre passado e presente e entre diferentes culturas. A ausência de um aprofundamento teórico sobre a técnica, os significados e o contexto histórico das pinturas rupestres brasileiras limita a experiência dos participantes, impedindo que estabeleçam conexões mais significativas com o passado e com as culturas indígenas. Ao se afastar de uma abordagem mais crítica e reflexiva sobre o tema, a atividade perde a oportunidade de promover a valorização da diversidade cultural e a decolonização dos museus que teria como função desafiar os participantes a refletir sobre a relevância das culturas indígenas e sua continuidade na sociedade contemporânea. Ou seja, uma oportunidade que está permeada de inúmeras possibilidades de uma história outra, não eurocêntrica e que dialoga com a questão patrimonial careceu de um aprofundamento.
No caso da oficina de pintura rupestre, o uso de tintas naturais poderia ter sido uma oportunidade para explorar a herança cultural e artística dos povos indígenas, enfatizando suas técnicas, simbolismos e significados históricos. Contudo, ao ser conduzida de maneira superficial, com pouca ou nenhuma conexão com os valores e conhecimentos tradicionais, a atividade não atinge seu propósito educativo, sendo reduzida a uma atividade recreativa sem profundidade cultural.
Em uma visita do dia 8/11/2022, no momento da mediação na árvore da sapucaia, houve um momento em que a mediadora, da Arqueologia, pediu para que os alunos ficassem de cócoras e em silêncio, com uma proposta de fazer uma imersão no sons da mata em volta e de tentar projetar uma “vivência indígena”. Foi um momento em que a mediadora aprofundou nos povos que habitavam o espaço do museu antes da expansão da zona urbana, falando sobre seus vestígios e seus hábitos. Uma das professoras, de artes, que acompanhava a turma, sugeriu que eles cantassem uma música que tinham aprendido nas aulas, chamada “Tupinambá”, de Déa Trancoso.
seu tupinambá
quando vem na aldeia
ele traz na cinta uma cobra coral
oi é uma cobra coral
oi é uma cobra coral
(Déa Trancoso, 2015)
A imagem de “seu Tupinambá” com a cobra na cinta sugere respeito à natureza e aos espíritos ancestrais, refletindo a cosmovisão indígena de conexão profunda com o mundo natural e espiritual. A obra de Déa Trancoso, ao integrar elementos da cultura popular e folclórica, não apenas homenageia os povos indígenas, mas também destaca a importância da preservação dessas culturas, convidando à reflexão sobre a riqueza e a complexidade cultural do Brasil (Andrade, 2011). É importante também destacar a importância da intervenção da professora, que destaca o papel fundamental dos professores para o fortalecimento da relação museu-escola. A proposta de uma educação pelos sentidos e pela sensibilidade da mediadora oportunizou à docente fazer-se presente na visita, o que com certeza proporcionou uma experiência significativa para o grupo.
Observou-se, durante as visitas, que ao contrário da tendência observada em diversos museus, não é oferecida aos professores uma visita prévia ao local, e nem parte do interesse dos mesmos. A prática de visitas guiadas destinadas a professores tem evoluído para abordagens mais eficazes que visam capacitá-los a atuar de maneira autônoma e proativa durante as visitas com seus alunos. O princípio fundamental é que os docentes devem se apropriar do conteúdo museológico, possibilitando a condução de uma experiência educacional mais profunda para os estudantes. Dessa forma, os professores não apenas replicam roteiros preestabelecidos, mas também criam novas conexões entre o acervo e a realidade escolar.
E, por fim, nos perguntamos: é um museu “fórum” ou um “teatro da memória”, onde os cânones da história do Brasil se mantêm inalterados? Ou é um espaço educativo que atua para um aculturamento já posto ao povo brasileiro há mais de 500 anos? Por quais trilhas o museu recebe seus visitantes escolares?
Considerações finais
Primeiramente, observamos que o caráter de museu universitário afeta o ensino de História na instituição, uma vez que os educadores que conduzem as visitas escolares são estudantes estagiários provenientes de diferentes cursos da UFMG e sujeitos a más condições de trabalho. Isso resulta em uma alta rotatividade de educadores, dificultando o aprofundamento nos temas do museu e a especialização em uma área específica. Além disso, o MHNJB prioriza a educação ambiental na formação dos educadores, deixando o ensino de Arqueologia e História em segundo plano. Isso, juntamente ao fato de que cada educador aborda a mediação sob o viés de sua área original de formação, contribuindo para a diversidade de abordagens no ensino de História no museu.
Também nos sinaliza que questões ligadas ao ensino mais crítico, decolonial e não eurocêntrico ainda não obtiveram a atenção necessária nos cursos de licenciatura da UFMG e muito menos disciplinas que possam expandir a atuação dos estudantes para outros espaços que não apenas a escola.
O discurso não é o mesmo entre mediadores oriundos das áreas de História e Arqueologia e aqueles provenientes das ciências da natureza, por exemplo. Como resultado, tivemos dificuldade em identificar um projeto oficial e institucional para o ensino de História no MHNJB. O que ficou ainda mais difícil de se verificar por causa da inexistência de um arquivo no Educativo e pela precariedade por falta de recurso humano, sendo que existe uma demanda urgente por concurso para que essa lacuna possa ser minimizada. E, assim, os mediadores/graduandos possam ver no MHNJB um espaço que possa contribuir mais com sua formação inicial.
Em terceiro lugar, não podemos deixar de sinalizar que a equipe do Educativo foi elemento-chave para nossa pesquisa, porque mesmo com muitas demandas, visitas constantes, eles nos receberam muito bem, nos deram o máximo de informações e nos colocaram em contato com o máximo de pessoas possível para que nossa pesquisa pudesse ser realizada.
Mesmo sem um arquivo físico, a equipe nos disponibilizou documentos e informações importantes para que pudéssemos construir uma análise ainda que incompleta do objeto que exploramos. Alguns desses documentos, como o Guia Prático, que foi objeto de análise neste artigo, foram de extrema importância para que pudéssemos fazer uma triangulação de dados coletados na observação direta das mediações com as escolas. Os outros serão futuramente nosso objeto de escrita e divulgação.
Também, diante do contexto explorado, das mediações educativas do MHNJB da UFMG com escolas da Educação Básica que recebem visitas de professores de História, nos foi possível perceber que o museu tem um enorme potencial para decolonizar ou narrar histórias múltiplas e não únicas. Fugir de uma narrativa colonial e distante do presente. Percebemos que os mediadores das ciências humanas possuem mais esta consciência que pode ser advinda da graduação de origem ou mesmo das diversas vivências fora da universidade. Porém, os mediadores da área das ciências biológicas não demonstraram esse arcabouço. Apresentaram um certo desconforto quando estavam meditando na Arqueologia e tratando dos povos originários de Minas e do Brasil. E foi possível perceber uma maior dificuldade na condução das mediações no museu de Arqueologia. E, claro, nos outros espaços que trabalham o mundo das plantas, no espaço interativo da vida, na exposição de hortas, e demais nossa observação se inverteria. Mas, como o foco estava no aspecto do ensino de História, essa é a realidade que foi possível verificar.
Gostaríamos de frisar que toda esta análise está diretamente ligada à situação de precariedade da Universidade e que o museu sofre esse revés de não poder formar os mediadores em um determinado nicho ou espaço museal. Ou seja, não é uma escolha do Educativo, é uma necessidade imposta pela realidade do baixo valor das bolsas, da desvalorização das universidades públicas aprofundadas nos últimos anos.
Apesar da potência que percebemos, que não apenas a exposição de Arqueologia possui, mas todo o complexo do Jardim Botânico, ele ainda não é explorado em sua totalidade. O MHNJB da UFMG inegavelmente poderá propiciar ações educativas no ensino de história mediada pela estética, pela fruição, pelo sonho, pelo espanto e pela curiosidade sem perder toda a construção que a ciência exige.
Por fim, o museu é um ente vivo e, assim, algumas notícias que nos foram endereçadas sinalizam para uma reformulação já feita no Guia Prático, de uma outra ação que presenciamos e que nos trouxe boas impressões. A coordenação do Educativo convidou professores e professoras da universidade, do Campus Pampulha, já que o museu fica em outra região da cidade, para serem orientadores dos bolsistas. Achamos uma iniciativa de grande importância, porque aproxima mais os docentes da UFMG do museu e propicia um maior diálogo com outras perspectivas de análise do campo museal e do ensino e poderá assim diminuir um pouco o excessivo trabalho dos profissionais do Educativo, que também acumulam essa função de orientação. Assim, pode (re)pensar a formação, outras práticas educativas e ações museais.
Parece-nos que um museu “fórum” está presente no MHNJB e poderá florescer em breve.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. A tradição na música popular brasileira: novas leituras e desafios. Editora da USP, São Paulo. S.d.
BRULON, Bruno. Descolonizar o pensamento museológico: reintegrando a matéria para re-pensar os museus. Anais do Museu Paulista. São Paulo, Nova Série, vol. 28, 2020, p. 1-30.
BURKE, P. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
COSTA, Júlio César Virgínio da. Da prática educativa a uma educação pela prática: o ensino de história com o museu e com a literatura. Orientadora: Júnia Sales Pereira. 2016. 177 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
FERNANDES, José Ricardo Oria. Educação patrimonial e cidadania: uma proposta alternativa para o ensino de História. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 13, n. 25/26, p. 265-276, set 92/ ago 93.
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OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista. Belo Horizonte, v. 26, n.01, p. 15-40, abr. 2010.
PEREIRA. Júnia Sales. Aprendizagem histórica como prática social: lições poéticas e éticas em “A Danação do Objeto”: “O museu no Ensino de História”. Educação em Revista, Belo Horizonte, n 47, jun. de 2008.
[1]Sabemos que grande parte da população brasileira não teve a oportunidade de conhecer um museu e que se sente excluída por vários fatores, especialmente, o social. Mas, para esta pesquisa o foco é público e escolar.
[2] Siex: Sistema de Informação da Extensão

DUARTE, Ana Clara de Sousa, SIMÕES. Maria Eduarda Soares. COSTA, Júlio César Virgínio da. Ensino de História no MHNJB/UFMG: colonial ou decolonial? Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte – online, Vol. 8, Número 33, Janeiro – Abril, 2025, ISSN 2526-1126. Disponível em: (link). Acesso em: XX(dia) XXX(mês). XXXX(ano).
Imagem de destaque: Andrevruas. Rua no Jardim Botânico da UFMG, 29 December 2013