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O desenvolvimento do trabalho pedagógico realizado em escolas do interior de Minas Gerais, no período pandêmico COVID- 19

Laila Ribeiro

Laila Paula Sousa Camilo Ribeiro

Sou uma profissional experiente na área de Educação Básica, com 16 anos de atuação, como coordenadora pedagógica. Graduada Pedagogia pela Fundação Universidade de Itaúna (UIT) e pós-graduação em Gestão Escolar pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) onde inspirei-me a refletir com mais consistência sobre minha prática e dos demais docentes, escrevendo artigos busco compartilhar estas reflexões com colegas da minha área. Atualmente, ocupo o cargo de vice-diretora em uma Escola Estadual de Minas Gerais, o que me permite aplicar minhas habilidades em administração de unidades educativas. Além da minha formação acadêmica, participo de diversos cursos e eventos complementares, buscando assim aprimorar meus conhecimentos em áreas como avaliação, relações étnico-raciais e gestão financeira, e entender outros contextos e abordagens. Atualmente também exerço o cargo de professora na Escola Municipal Amâncio Bernardes, regendo uma turma de 3º ano do ensino fundametal anos iniciais, o que traz um olhar mais abrangente sobre a educação básica desde sua base.

E-mail: lailapaulasilva@gmail.com

O ano letivo de 2020 iniciou-se repleto de questionamentos, entre eles ressaltam-se o segundo ano do mandato do presidente Bolsonaro, a crise política na Venezuela com a autodeclaração de Guaidó como presidente, o pedido de impeachment contra Donald Trump e os rumores de um vírus mortal de origem chinesa que estava espalhando-se rapidamente pela Terra. Todos esses fatos não possibilitaram prevermos as complicações quando planejamos o calendário escolar nem o quanto o mesmo sofreria, assim como nós, tantos reveses.

A educação básica é um palco constante das mazelas sociais, e no ensino público surge naturalmente o retrato da população brasileira, com as questões sociais, econômicas, familiares, raciais e de gênero. Sendo assim, diante de um cenário de saúde mundial caótico, não é surpresa que a parcela mais pobre da sociedade venha sofrer de forma mais abrupta o cerceamento dos seus direitos mais subliminares: trabalho, saúde e educação. O distanciamento social determinado pelos órgãos centrais da saúde fez com que a educação, já com inúmeros desafios, sofresse o golpe de implantar um ensino remoto de maneira unilateral e tempestiva nos centros educacionais, com uma formação no formato predito precária para os professores, sem o respaldo pedagógico e técnico necessário para tal.

A Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, de forma emergencial, junto ao seu departamento pedagógico e tecnológico, desenvolveu  o Regime Especial de Atividades Não Presenciais (Reanp), por meio da Resolução 4.310/2020, com o material didático Planos de Estudos Tutorados (PET) desenvolvido pela SEE, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Minas Gerais (Undime), aulas na TV aberta “Se liga na Educação” e um aplicativo para Android e IOS “Conexão Escola”. Essas quatro ferramentas visavam à manutenção do processo ensino e aprendizagem e da rotina de estudo dos estudantes, buscando minimizar as desigualdades educacionais e o distanciamento do saber escolar durante esse período de isolamento. 

O sistema e as resoluções desenvolvidas para minimizar os danos causados pelo distanciamento social e pela mudança nos espaços tradicionais onde ocorrem os processos de ensino-aprendizagem não previram o quão desgastante emocionalmente esse período se apresentaria. O medo constante de contrair a virose, as mudanças de hábitos básicos, as falsas notícias sobre supostos ataques biológicos e desordenamento político geral desencadearam uma tensão tamanha, que colocou os estudos em segundo plano na maioria das famílias.

Diante desse contexto, o presente artigo apresenta um recorte sobre como o contexto caótico da pandemia de Covid-19 realçou os obstáculos preexistentes da educação mineira, como o excesso de demandas e exigências feitas à classe do magistério, trazendo à superfície as discrepâncias socioeconômicas e étnico-raciais existentes entre os estudantes. Utilizando como fonte de pesquisa Baher (2020); Cury, (2020); Ó, (2018), o conteúdo está organizado a partir das seguintes seções: inicialmente, apontamos a conjuntura de fatos que desestabilizou o sistema de ensino público estadual no princípio do ano de 2020. A seguir, como os professores se reinventaram a fim de atender às demandas que a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE) lhes atribuiu neste plano de contenção chamado Reanp. E, por fim, como os estudantes e suas famílias receberam este esquema totalmente inédito de educação em suas vidas e as considerações finais.

INÍCIO DO ANO LETIVO DE 2020 EM MINAS GERAIS

A educação mineira todos os anos inicia seu período letivo a partir do mês de fevereiro. Resguardando o período de festas, vários setores da SEE e gestores escolares trabalham durante as férias, em janeiro, planejando e estruturando os tempos e espaços para recepcionar os professores e estudantes com a máxima organização possível, facilitando desta forma os processos de ensino-aprendizagem.

No ano de 2019 não foi diferente: a SEE deliberou sobre a organização do calendário anual com a Resolução 4.254 de 18 de dezembro de 2019, que define sobre orientações para a organização do ano letivo em suas 47 Superintendências de Ensino, apesar dos rumores da imprensa internacional sobre uma doença altamente transmissível, mas ainda sem mais informações e sem pronunciamento do Ministério da Saúde conforme o costume.

Reuniões pedagógicas foram realizadas entre os dias 3 e 7 de fevereiro, orientações administrativas e organizações foram feitas e as aulas iniciadas exatamente no dia 10 de fevereiro de 2020, com metas e objetivos já definidos. Assim, realizaram-se as avaliações diagnósticas que subsidiaram o planejamento bimestral dos professores, enfim, um ano letivo típico no Estado.

O vírus entrou no Brasil através de voos internacionais em São Paulo, cidade que se tornou epicentro da doença, segundo Enes e Bicalho (2012, p. 9). No entanto, apenas no dia 8 de março de 2020 houve a primeira confirmação de contaminação no Estado, de uma mulher da cidade de Divinópolis, que esteve na Itália e retornou ao país no dia 5 de março, com sintomas gripais, e foi testada pelo laboratório Hermes Pardini. A amostra do exame foi enviada ao Instituto Fiocruz, com a confirmação no dia 8 de março de 2020, conforme informou o site da Secretaria de Saúde de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2020).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) somente reconheceu emergência global e pandemia em 11 de março de 2020, levando em consideração o enorme número de casos e contaminações em curto período de tempo. E foram liberadas as Portarias nº 343 e nº 345 do Ministério da Educação (BRASIL, 2020b; 2020c).

Nosso país, considerando o olhar ampliado, não estava preparado para tamanha violência deste vírus, visto o contexto histórico, com um recorte especial para a educação. Os nossos desafios diários são muitos, como bem descreve Sakamoto e Silveira:

Quando observamos o cenário econômico, político e social brasileiro depararmo-nos com o fato de estarmos imersos em inúmeros desafios que se arrastam por séculos de história. O alto índice de desemprego, o baixo crescimento econômico, as desigualdades sociais de toda ordem, são alguns dos desafios que impactam negativamente a imagem do país do ponto de vista das expectativas nacionais e internacionais. Muito mais negativo ainda, vai se tornando a situação da maioria da população que sente e vive as incertezas quanto ao seu futuro no país. (Org. SAKAMOTO e SILVEIRA, 2021, p. 06)

Mas, com o avanço no número de casos no interior do estado de Minas Gerais, começou a alastrar-se uma insegurança entre as famílias dos estudantes e dos profissionais de todas as áreas. Deste momento em diante, as rotinas de trabalhos pedagógicos nas escolas eram constantemente interrompidas por questionamentos e dúvidas, para as quais ainda não havia respostas. As notícias reais, misturando-se às informações sensacionalistas, sobre a rapidez do contágio e os riscos de morte amplamente divulgados pelas mídias sociais causaram um pânico generalizado.

Então, com o Decreto Estadual número 4.7886 de 15 de março de 2020, que previa o enfrentamento e contingenciamento, no âmbito do Poder Executivo, da epidemia de doença infecciosa viral respiratória causada pelo agente  da Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2 (SARS-CoV-2), a Deliberação do Comitê Gestor Extraordinário Covid-19 nº 18, de 22 de março de 2020, que dispõe sobre as medidas adotadas no âmbito do Sistema Estadual de Educação, enquanto durar o estado de CALAMIDADE PÚBLICA em decorrência da pandemia causada pelo agente coronavírus (Covid-19), em todo o território do Estado, a Deliberação do Comitê Gestor Extraordinário Covid-19 nº 26, de 8 de abril de 2020, que dispõe sobre o regime de teletrabalho no âmbito do Sistema Estadual de Educação, enquanto durar o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus – Covid-19, em todo o território do Estado e a Nota de Esclarecimento e Orientações 01/2020 do Conselho Estadual de Educação – CEE, de 26 de março de 2020, que esclarece e orienta para a reorganização das atividades escolares do Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, devido à pandemia de Covid-19, as aulas foram suspensas.

Neste contexto, a situação psicossocial dos profissionais da educação, em especial dos professores, começou a sofrer ataques, dada a impossibilidade de realizar seu trabalho, que principalmente no Ensino Fundamental demanda um tempo determinado para estimular e construir estruturas cognitivas junto aos estudantes para posteriormente construir novos conhecimentos. Como afirma Moreira:

É importante reiterar que a aprendizagem significativa se caracteriza pela interação entre conhecimentos prévios e conhecimentos novos, e que essa interação é não literal e não arbitrária. Nesse processo, os novos conhecimentos adquirem significado para o sujeito e os conhecimentos prévios adquirem novos significados ou maior estabilidade cognitiva. (MOREIRA, 2010, p. 2).

Estes questionamentos laborais fundiram-se aos subjetivos, visto que a preocupação com essa doença viral respiratória altamente infecciosa, sem vacina e com tratamentos experimentais, aumentou a angústia, considerando que profissionais são pessoas, possuem famílias e demandas fora do espaço de produção.

A INSTAURAÇÃO DO REANP NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE MINAS GERAIS E A REAÇÃO DOS PROFESSORES

Analisando o contexto, a SEE começou a buscar alternativas para resguardar a carga horária mínima letiva anual estabelecida na Lei de Diretrizes e Base da Educação 9.394/1996, que são 800 horas, com a demanda do distanciamento social, a garantia das aprendizagens e a assiduidade dos estudantes. Em meio a esse cenário inédito e caótico, a Resolução 4.310/2020 reorganizou as atividades escolares de toda a Rede Estadual de Ensino e direcionou caminhos inéditos no trabalho dos professores da rede.

A implantação do Regime Especial de Atividades Não Presenciais (Reanp) não previa apenas alterações nas dinâmicas cotidianas escolares, no enxugamento do currículo e na alteração das propostas pedagógicas, mas, também, na avaliação destas aprendizagens remotamente, algo impensável no princípio do ano letivo. Como define o Art. 2:

Art. 2º – As Escolas Estaduais, observando o disposto nesta Resolução, deverão reorganizar seus Calendários Escolares, compreendendo a realização de atividades escolares não presenciais, para minimizar as perdas aos estudantes em razão da suspensão das atividades escolares presenciais, conforme Deliberação nº 18, de 22 de março de 2020, do Comitê Extraordinário COVID-19, assegurando-se: I – o cumprimento da carga horária mínima obrigatória; II – o alcance dos objetivos educacionais de ensino e aprendizagem previstos em sua Proposta Pedagógica, com qualidade, para o Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional ofertado, até o final do período letivo.

Essas demandas no cotidiano habitual das escolas estaduais já eram complexas no período pré-pandêmico, visto que principalmente o quesito qualidade esbarra em realidades já bem conhecidas e interveio politicamente na construção da Nação, como descreve este breve relato histórico sobre a educação brasileira:

A trajetória da Educação no Brasil, os projetos de Educação, os interesses que influenciam as políticas de Estado ao formularem diretrizes educacionais específicas, determinam as políticas públicas da Educação brasileira. O projeto de nação do Brasil passa pela Educação através de sua História, começando no século XVI pelos jesuítas através da catequese e colonização dos povos indígenas, as reformas pombalinas em meados do século XVIII, as ideias ilustradas e liberais pela Colônia entre 1770 e 1822, a escola brasileira no império no século XIX, as iniciativas dos republicanos em 1870-1920 e as outras escolas da primeira República até 1929, a era Vargas de 1930 até 1945, a escola brasileira na República populista de 1946 até 1964 e finalizando, com a ditadura militar de 1964 até a redemocratização do país, e a partir da Constituição de 1988, quando houve a inclusão de todos na Educação, até os dias atuais. (Org. SAKAMOTO E SILVEIRA, 2021. p.22)

Partindo do princípio de que a Resolução 4.310/2020, além de uma resposta às demandas escolares do período pandêmico, é também um documento político, que determina de forma unilateral de “faça-se cumprir”, não considerando a realidade de cada escola, comunidade escolar e localização, não observando a pluralidade existente em cada uma de suas 47 superintendências de ensino, 843 municípios e mais de dez mil escolas. Resumindo, pelo Censo pré-pandêmico:

Os dados do Censo Escolar (2019) informam que Minas tem mais de 4,1 milhões de alunos matriculados nas redes municipais, estadual, federal e privada, sendo que 85% deles estão nas áreas urbanas. Pouco mais de 1,8 milhões são alunos da rede estadual, abrangendo 3.603 escolas – 3.288 localizadas em zonas urbanas. A rede estadual conta com 15.561 diretores escolares e emprega 96.783 professores, sendo que 35,5% são efetivos e 67,7% são temporários, o que faz com que a pressão por concursos públicos seja constante (MINAS GERAIS, 2017).

Problemas estruturais e de ordem pessoal, salas multisseriadas, sem energia elétrica ou internet. Lugares onde os professores produzem seu material didático manuscrito. Mas essas fragilidades na educação mineira poderiam ser relevadas se a condição humana, do trabalhador da educação, fosse observada, e mesmo o cotidiano das escolas, onde existem questões para além das anteriormente citadas, como a comunicação precária com as famílias.

O distanciamento social provocou mudanças nas relações de trabalho em todos os setores do Brasil e do mundo, no entanto, a instauração do Reanp propôs mudanças tão profundamente bruscas em seu texto, que muitos profissionais desacreditaram na possível execução das mesmas na práxis das escolas, mesmo porque na legislação vigente o ensino remoto não é modalidade, então eram impensáveis colocações, como descrito no Art. 6º:

Art. 6º – Cabe ao Gestor Escolar, de acordo com os meios de comunicação disponíveis, e em conjunto com a Superintendência Regional de Ensino, estabelecer o modo de envio e recebimento das atividades aos estudantes e/ou responsáveis, a serem realizadas no período de suspensão das aulas presenciais, deliberado pelo Comitê Extraordinário COVID-19. §1º Deverão ser priorizados os meios de comunicação não presenciais, por telefone, e-mail, plataforma digital ou redes sociais, se compatíveis com as condições de acesso ao estudante. §2º É responsabilidade da unidade escolar, de acordo com suas especificidades e em conjunto com a Superintendência Regional de Ensino, garantir a entrega, a realização e a devolução dos Planos de Estudos Tutorados pelo estudante, bem como o registro do acompanhamento das atividades escolares realizadas pelo estudante, no formulário constante do ANEXO I.

Analisando do ponto de vista pedagógico, e não de recursos financeiros, estes foram liberados às escolas de forma adequada, mas como garantir a realização de atividades remotamente, em etapas escolares, já que garanti-las presencialmente já era um desafio, visto o desinteresse dos estudantes nos conhecimentos acumulados, dos quais derivam os novos conhecimentos. A leitura, que não está entre os principais hábitos dos nossos estudos, também é alvo de amplo debate nas universidades, como algo a ser estimulado desde a mais tenra infância, a qual é facilmente substituída pelas telas e áudios de cunho apenas recreativo. E a desvalorização da educação formal, muitas vezes atribuída aos baixos salários dos professores, principais atores da educação institucionalizada, e ridicularizada nas redes sociais, as mesmas citadas anteriormente como foco de atenção dos estudantes.

Segunda imposição discutível é que apesar dos Planos de Estudos Tutorados terem sido produzidos com base no Currículo Referência de Minas Gerais, o mesmo não conseguia atender às especificidades demandadas das salas de aula. Mesmo muitos deles estando em formatos com um conteúdo raso e questões simplificadas, a tutoria oferecida pelos professores em teletrabalho parecia dispensável por uma parte dos estudantes e não suficiente para outra parte. Esta última já apresentava dificuldades educacionais pontuais e exigia uma atenção especial do professor em sala de aula, e à distância ampliou a fossa educacional preexistente. Sendo assim, corria-se o risco de buscar soluções para “todos os alunos como se fossem um só”, como afirma o professor da Universidade de Lisboa, Jorge Ramos do Ó (Ó, 2018, p. 6). 

Os desafios impostos aos professores através da Resolução 4.310/2020 estabeleceram entre a classe uma insegurança generalizada, e o que havia de mais próximo do conhecimento dos professores era o EAD, mesmo assim, apesar de o Ensino a Distância ter sido regulamentado no Brasil em 1998, pelo Decreto 2494, esta modalidade é mais amplamente utilizada em cursos de formação profissional, graduação, pós-graduação, técnicos e tecnológicos, e no Ensino Fundamental é pouco usada. Sendo assim, apesar de os profissionais da área da educação conhecerem esta modalidade há mais de 20 anos, pouquíssimos haviam atuado como docentes na mesma ou mesmo como discentes em sua formação. Formação docente que no Brasil vem sendo pauta de discussão há algum tempo, mas com grandes desafios como a carga horária docente, o excesso de burocracia e os baixos salários, que obrigam o docente a se dividir em vários cargos e escolas, comprometendo a formação continuada, que apesar de ser um direito reconhecido na legislação, não se cumpre, favorecendo que a prática em sala de aula apresente uma aleatoriedade instintiva e grupal como forma de trabalho, principalmente nas etapas iniciais do ensino. Gerando uma precarização da educação brasileira desde a sua base. Loiola e Castro expõem:

Como hipótese, parte-se do princípio de que todo aquele que se dedica a docência deve ter uma atuação coerente com sua formação e com os teóricos que fundamentam sua prática e que, também, estejam em coerência com alguma dessas abordagens de ensino: Tradicional, comportamentalista (ou Empirista), Humanista (ou Apriorista), Cognitivista e Sociocultural.(LOIOLA e CASTRO, 2021.p.56)

Dessa forma, em Minas Gerais não é diferente, pois muitos professores já demonstravam dificuldades em atuar no formato convencional, e quando a proposta foi desenvolver um trabalho online, estes profissionais descritos viram-se desafiados a executar sua função, como apontam os dados levantados com 7.734 professores de todo o Brasil. Em torno de 88% desses profissionais nunca tinha dado aula de forma remota e 83,4% não se sentiam preparados para esta atividade.

Pelas limitações de sua formação, pela inexperiência na modalidade, por conhecer seu alunado e outros fatores é que iremos discorrer como bem retratam Araújo e Lua (2021), quando afirmam que a pandemia de Covid-19 levou o trabalho para o cotidiano domiciliar, vinculando a vida íntima e familiar do docente ao ambiente profissional. O que, segundo Araújo e Lua (2021), tornou a jornada de trabalho e os períodos de descanso sobrepostos. Expondo os trabalhadores a múltiplas demandas, profissionais e domésticas, como a presença de filhos pequenos, idosos, pessoas adoentadas, e ainda desafios técnicos como computadores, câmeras, internet de qualidade, mobiliário adequado, enfim, muitos profissionais ficaram submetidos a um ambiente que em nada favorece a sua eficiência e ainda lhes trouxe custos e despesas. Como exemplo destas imposições, a Normativa 65 de 30 de julho de 2020 em seu Art. 23, que estabelece o seguinte:

Art. 23. Quando estiver em teletrabalho, caberá ao participante providenciar as estruturas física e tecnológica necessárias, mediante a utilização de equipamentos e mobiliários adequados e ergonômicos, assumindo, inclusive, os custos referentes à conexão à internet, à energia elétrica e ao telefone, entre outras despesas decorrentes do exercício de suas atribuições (BRASIL, 2020a).

Nesse contexto, para além do desafio da mediação pedagógica através da rede, ou seja, virtualmente, o professor em teletrabalho assumiu ônus de estruturar, mobilizar e organizar sua moradia para efetivar seu trabalho. A autonomia é uma das características principais na modalidade de ensino à distância, sendo muito importante no ensino remoto, no entanto, nas etapas iniciais de ensino os estudantes estão começando o desenvolvimento desta característica. Como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) descreve e pontua sobre a educação integral:

Independentemente da duração da jornada escolar, o conceito de Educação Integral com o qual a BNCC está comprometida se refere à construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos alunos e, também, com os desafios da sociedade contemporânea, de modo a formar pessoas autônomas, capazes de se servir dessas aprendizagens em suas vidas. (BRASIL, 2017, p.18)

Ou seja, com a grande responsabilidade de formação integral dos estudantes, sendo necessário utilizar habilidades ainda não consolidadas por estes para promover um ensino remoto com qualidade. As barreiras à atuação dos professores neste período foram mais que desafiadoras, foram gatilhos para o adoecimento de muitos profissionais, com um altíssimo aumento de casos de Bounout e outras síndromes.[1] Estudos realizados com professores durante a pandemia têm demonstrado um índice significativo de esgotamento emocional, comprometendo a saúde mental dos docentes (LEITÃO et al., 2021; SANTOS et al., 2021; SILVA et al., 2020; SOUZA et al., 2020). Alguns sintomas relatados pelos professores são: vivências de sofrimento psíquico, mal-estar, nervosismo, estresse, ansiedade, irritabilidade, depressão, medo, cansaço, perturbações do sono, como insônia ou sono que não é reparador e esgotamento mental (SOUZA et al., 2020).

Sendo assim, pessoas adoecidas mentalmente, com desafios laborais inéditos, com demandas imensas, dificilmente conseguem desenvolver um trabalho satisfatório. As pesquisadoras Bernardo, Maia e Bridi (2020), de acordo com o seu publicado sobre as configurações do trabalho remoto da categoria docente no contexto da pandemia de Covid-19, descrevem assim a posição dos trabalhadores da educação:

Com base na pesquisa, consideramos que ao serem impelidos a desenvolveram as atividades docentes de forma remota, um percentual expressivo desses trabalhadores passou a ter jornadas de trabalho mais extensas com mais horas diárias, e mais dias da semana, e intensas, como um ritmo mais acelerado. As especificidades da natureza do trabalho docente, dado o seu caráter intelectual e imaterial, torna difícil mensurar o quanto de tempo marcado pelo relógio é necessário para cada atividade, como apontam as reflexões tecidas por Bernardo (2020) (BERNARDO, (2020), MAIA e BRIDI, 2020).

RECEPÇÃO DO REANP PELOS ESTUDANTES E SUAS FAMÍLIAS

As famílias dividiram suas preocupações em evitar o risco de contágio com o vírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) e manter a saúde mental diante de tantas notícias verdadeiras e falsas destiladas massivamente nos meios de comunicação e redes sociais. A experiência acima descrita foi vivida por mim, como especialista de educação básica, na rede estadual de Minas Gerais e como mãe de estudantes da mesma rede. A expressão exaustivamente ouvida “Calamidade pública” tornou passíveis de julgamento no quesito nível de importância todas as áreas da vida cotidiana brasileira, e a educação formal não estava entre as essenciais (GLASER, 2021). Os autores Buzoni, Carneiro e Vilas-Boas afirmam: “…Sabemos que famílias e alunos se encontram em um momento histórico muito complexo, em que o medo, a insegurança e o desequilíbrio emocional estão presentes…” (2021, p. 36).

Gestores e coordenadores pedagógicos sugeriram que os pais/responsáveis poderiam se tornar cotutores, auxiliando os estudantes na resolução das atividades dos PETs¹, acessando junto o aplicativo Conexão Escola, enviando as atividades ou tirando dúvidas no chat, assistindo às aulas na TV do Programa “Se liga na Educação” e fazendo anotações. No entanto, novamente o fator humano foi menosprezado, não levavam em consideração que muitos pais também estavam em teletrabalho, ou doentes, ou desempregados, causas fundamentais para a saúde do cotidiano socioeconômico e socioemocional familiar, e ainda considerando que aulas em Ensino Remoto Emergencial (ERE) ocorre de forma síncrona e assíncrona, e os pais e responsáveis deveriam organizar seus afazeres, a fim de acompanhar as aulas síncronas.

Os estudantes também sentiram-se desmotivados, fora do convívio social com os colegas da mesma faixa etária, com os professores, ressaltando a importância da presença física nos processos de ensino-aprendizagem, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental, quanto às habilidades socioemocionais, psicomotoras e convivência social (OLIVEIRA, B. R., OLIVEIRA, A. C. P., COELHO, J. I. F., 2022)

Fazendo esta leitura, podemos ainda reforçar essa avaliação que os autores fizeram da implementação do Reanp, através da análise e quantificação dos comentários feitos pelos usuários na rede social Facebook, e fizeram diversas constatações, entre elas:

Ainda que os documentos institucionais publicados pela SEE sobre o REANP não o apresentem dessa forma, assumimos, conforme Oliveira e Daroit (2020), que a implementação do programa constitui uma rede que mobiliza e congrega diversos atores humanos e não humanos: responsáveis [famílias], profissionais da educação, alunos, secretarias estaduais, superintendências regionais de ensino, Prodemge, emissoras de TVs públicas, Assembleia Legislativa, sindicatos, operadoras de telefonia, provedores de Internet, empresas de plataformas e mídias digitais, territórios, processos, tecnologias, recursos, dentre outros’’. (OLIVEIRA, B. R., OLIVEIRA, A. C. P., COELHO, J. I. F., 2022)

Esses usuários, que são os estudantes, pais e responsáveis, expressaram suas impressões, dúvidas e frustrações através de comentários postados na rede social institucional do órgão, que durante a implantação foi um dos meios de comunicação utilizados para divulgar as informações pertinentes. A análise incluiu 388 (trezentos e oitenta e oito) comentários, que estavam divididos em 256 postagens realizadas pela SEE no período de maio a outubro de 2020.

Os autores Oliveira, Oliveira e Coelho tabularam estes dados subdividindo os comentários, o assunto e outras subdivisões, no entanto, o que mais se comentou de forma negativa foram as condições de acesso dos estudantes. Como confirmam os autores neste trecho do estudo:

Os comentários recolhidos mencionaram com maior frequência temas relacionados às condições de acesso dos alunos e suas famílias ao programa de educação remota planejado e implementado pela SEE, conforme apresentado na Tabela 2. A dificuldade de acesso às diferentes alternativas de ensino remoto adotadas pelos sistemas educacionais tem sido apontada em diferentes estudos que emergiram no campo na atualidade. (OLIVEIRA, B. R., OLIVEIRA, A. C. P., COELHO, J. I. F., 2022, p.15.

Como já ressaltado na página 4 deste artigo, as diferenças socioeconômicas no estado de Minas Gerais são colossais de região para região, de cidade para cidade e até mesmo de bairro para bairro, sem mencionar a zona rural. Portanto, por maior que seja a diversidade de ferramentas disponibilizadas pela SEE, muitos estudantes não tiveram acesso a nenhuma, como o estudo ainda exemplificou:

Cury et. al. (2020) problematiza as alterações no nosso cotidiano, destacando, nesse processo, a invasão das escolas nas casas dos cidadãos. Para ele,

[…] haverá perdas e danos para os estudantes, em maior ou menor grau, segundo a estratificação social e acesso às tecnologias digitais da informação e da comunicação” (ob. cit., p. 11). Em um estado com desigualdades sociais e regionais profundas, tais assimetrias foram identificadas em muitos comentários, como nos trechos a seguir: Sem comentários, quem não tem internet em casa e [ou] só tem [internet] móvel não entra. (Mãe, agosto) Os alunos não tem internet nem pra baixar o app… (Pai, agosto) Difícil entender, os alunos das periferias não estão recebendo […] alunos não tem celulares, notebooks (sic) e muito menos internet de qualidade para acompanhar aulas, redes sociais. (Pai, julho).” (OLIVEIRA, B. R., OLIVEIRA, A. C. P., COELHO, J. I. F., 2022, p.15)

Nos comentários elaborados por estes usuários, a qualidade dos materiais e a interligação entre eles, por exemplo, os PETs e as aulas do “Se liga na educação” estavam incompatíveis, assim como a avaliação aplicada de forma sistêmica no final do ano. Outra fala recorrente foi quanto à instabilidade do aplicativo Conexão Escola, e as aulas síncronas com os professores estavam monótonas e sem sentido prático, justificadas pela falta da participação dos mesmos na construção e no planejamento dos PETs. (OLIVEIRA, B. R., OLIVEIRA, A. C. P., COELHO, J. I. F., 2022). A avaliação resultou no descontentamento das famílias com o programa de forma ampla, mas o resultado da qualidade do ensino deste período está sendo profundamente analisado e estudado desde o fim do período pandêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se realiza a releitura dos fatos, das ações e propostas passadas, analisando o desenrolar da história e a visão de seus usuários e dos autores e tutores, é possível concluir que em todas as áreas as desigualdades socioeconômicas impossibilitam um único programa para tanta diversidade. E que as políticas públicas comumente pensadas pelos nossos governantes acabam por alcançar uma pequena parcela da sociedade, e apesar de usarem sempre o idealizado na Lei 9394/96 de uma educação gratuita, de qualidade e para todos, esta meta é perseguida, mas sem equidade nunca será alcançada. Ficou evidente a percepção dos usuários sobre uma questão-chave: a diversidade e a desigualdade regional e social do estado, já existentes antes da pandemia, podem estar sendo acentuadas e agravadas. (OLIVEIRA, OLIVEIRA e COELHO, 2022). E essa questão foi um entrave gigantesco para o sucesso do programa no Estado.

 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.

ARAUJO, T.M.; LUA, I. O trabalho mudou-se para casa: trabalho remoto no contexto da pandemia de Covid-19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, n.46,2021. https://www.scielo.br/j/rbso/a/LQnfJLrjgrSDKkTNyVfgnQy/. Acessado em 03 de maio de 2023.

BEHAR, Patrícia Alejandra. O Ensino remoto emergencial e a educação à distância. Jornal da Universidade, 6 jul. 2020. Disponível em https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remoto-emergencial-e-a-educacao-a-distancia. Acesso em: 05 de maio de 2023.

BRASIL. Instrução normativa nº 65, de 30 de julho de 2020. Estabelece orientações, critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC relativos à implementação de Programa de Gestão. Brasília: Casa Civil, 2020a. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-65-de-30-de-julho de2020269669395?_ga=2.244737605.1542961348.1602512567-775692463.1602084620. Acesso em: 17 de março de 2023.

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Imagem de destaque: Foto de Pew Nguyen na Unsplash

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