Luciano Mendes de Faria Filho: Um pensador engajado

LOMBA, Maria Lúcia Resende (org). Lúciano Mendes de Faria Filho: um pensador engajado. Editora Escola Cidadã, Belo Horizonte. 2024

Luciano Mendes de Faria Filho: Um pensador engajado, um pedagogo da vida

Elaine Teixeira Pereira

Elaine A. Teixeira Pereira

Doutora em Educação pelo PPGE/UFSC e graduada em Pedagogia, com experiência na docência e gestão na Educação Básica e docência no Ensino Superior. Foi bolsista de Desenvolvimento em Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPEMIG, com atuação na equipe gestora do Portal do Bicentenário da Independência. Participou de ações do projeto em rede Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822-2022, como a editoria de jornal e revista, os programas de pesquisa “Moderno, Modernidade, Modernização” e “A educação nos projetos de Brasil”, além de sua coordenação geral colegiada. Integra o Portal do Bicentenário, linha “Portal do Bicentenário – 200 anos de escolas públicas no Sul”, bem como o Grupo de Pesquisa Ensino e Formação de Educadores em Santa Catarina. Nos anos 2023 e 2024 foi professora na Educação Básica e atualmente é docente colaboradora na UDESC/CEAD.

E-mail: elaine.tp@gmail.com

Luciano Mendes de Faria Filho: um pensador engajado é o livro sobre o qual escrevo este convite à leitura. Organizado por Maria Lúcia de Resende Lomba e lançado em novembro de 2024, pela editora Escola Cidadã, o livro reúne textos de autoria do pedagogo, professor, pesquisador e escritor mineiro. Dividido em duas partes, apresenta 12 textos elaborados entre os anos 2013 e 2023, oriundos de palestras e conferências, veiculados em revistas e em jornal (neste caso, o jornal Pensar a Educação em Pauta), além de prefácio, introdução e posfácio.

O livro é uma das publicações que marcam um momento singular da trajetória pessoal e profissional de Luciano Mendes de Faria Filho, tanto pelas homenagens por conta de sua aposentadoria quanto pelos seus 60 anos de vida e quase 40 de atuação na educação. Trata-se, assim, de alguém experiente na produção do conhecimento, de um professor e pesquisador consagrado, com forte presença no espaço público e no debate educacional brasileiro. É um livro repleto de afeto. Seu prefácio é assinado por Tarcísio Mauro Vago, amigo e parceiro de Luciano, com quem encapou projetos e sonhos vários, como o programa Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822-2022, onde nasceu a Revista Brasileira de Educação Básica (RBEB) – em que alegremente publico este texto. O posfácio é de Libéria Neves, parceira que, dentre outras coisas, assumiu a coordenação do Pensar, agora chamado Pensar a Educação. 

Defendendo a importância de que professoras e professores ocupem esse lugar – o do debate público em Educação –, Luciano se mostra inquieto e esperançoso, indignado e propositivo, combativo e acolhedor. Características, todas essas, que podem ser conferidas nas páginas escritas para as quais convido à leitura, mas que as ultrapassam, e são percebidas por aqueles e aquelas que convivem com seu autor. 

A primeira parte do livro aborda temáticas como: relação entre pesquisa, pós-graduação e Educação Básica; Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020); avaliação na pós-graduação; lugar da educação nas interpretações do Brasil; aula, autoria e reconhecimento; pensar a educação e o Brasil como estratégia de disputa pelos sentidos da educação; governo e políticas educacionais; contribuições da História da Educação para pensar o Brasil; qualidade, igualdade e equidade na educação. A segunda parte é composta por textos reunidos pela organizadora sob a denominação “Saudações”, são eles: “Resistir e esperançar: os desafios à gestão universitária em tempos sombrios”, “Tempos de busca de araticuns maduros!” e “Saudação a um amigo!”.

São muitos os assuntos que eu poderia tratar neste convite. Escolho dois, pela relevância e pertinência, inclusive considerando o escopo da RBEB. Um deles é o diálogo com a Educação Básica e a defesa da escola pública; o outro, a demarcação da autoria docente (com ênfase, é importante dizer, e como Luciano sempre o faz, para a atuação das/os colegas da Educação Básica).

O belo, e nada convencional, prefácio escrito por Tarcísio apresenta uma biografia de Luciano, que, longe de ser apenas individual, é também coletiva: tanto no sentido de viver junto e compartilhar (são experiências e sujeitos muitos e múltiplos) quanto porque a história de Luciano vai se entrelaçando à história da nossa educação, da escola, da infância, e das pesquisas que as tomam como objeto. É um texto que nos conta sobre a trajetória do professor-pesquisador-orientador, mas que igualmente diz da nossa história, de quem faz educação, quem pesquisa a educação. Por meio do ensino, da extensão, da produção e divulgação do conhecimento, da intervenção no espaço público, a atuação de Luciano é marcada pela defesa da escola pública, de que seus docentes tenham condições adequadas de trabalho e que as crianças possam viver plenamente sua infância na escola. Estudar e discutir cultura escolar, história da infância, crianças e suas infâncias, intelectuais e/da educação, educação e escola no pensamento social brasileiro, dentre outras, foram maneiras que ele escolheu para fazê-lo.

O programa Pensar a Educação, Pensar o Brasil – 1822-2022 (PEPB) é a expressão possivelmente mais grandiosa que posso citar, neste escrito, do cuidado e da preocupação com a educação e a escola. Sediado na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação de Luciano e Tarcísio, durante 15 anos (entre 2007 e 2022), o projeto envolveu diversas ações e inúmeros sujeitos, inclusive além de Belo Horizonte, e mesmo de Minas Gerais. Em articulação com a universidade e com a formação de professores/as e pesquisadores/as, as ações do PEPB foram: programa de rádio Pensar a Educação; Seminário anual Pensar a Educação, Pensar o Brasil; coleção de quase 50 livros produzidos em parceria com a editora Mazza; mídias do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil (Portal, Facebook, Twitter, Instagram, Canal no YouTube); jornal semanal Pensar a Educação em Pauta; periódico de revisão bibliográfica Pensar a Educação em Revista; projetos/programas integrados de pesquisa “Moderno, Modernidade, Modernização” e “A Educação nos projetos de Brasil”; Revista Brasileira de Educação Básica; Observatório de Comunicação Pública da Ciência; Centro Virtual de Multimídias em Educação; Núcleo de Produção Audiovisual sobre Educação; programa de estágio curricular para estudantes da graduação; disciplinas anuais abertas à comunidade interna e externa à UFMG (Vago, 2024, p. 56). Todas essas ações foram de acesso livre a estudantes e professores/as, especialmente da escola pública. E assim a Educação Básica foi a tônica, por um lado, em perspectiva histórica; por outro, com forte mirada no presente – e os desafios, embates, debates que lhe constituem.

Em uma passagem do livro (Faria Filho, 2024a, p. 115) é dito, junto a análises sobre as relações entre pesquisa, pós-graduação e Educação Básica, que não se dispunha de uma revista de grande circulação que dialogasse com as professoras e os professores da escola básica. O texto havia sido escrito antes da criação da RBEB, que agora veicula este convite à leitura, e foi gestada objetivando tal diálogo – numa proposta em que os profissionais da Educação Básica, além de leitores, fossem também autores.

Segundo Luciano Mendes de Faria Filho, atuar no debate educacional e na disputa pelos sentidos da educação é uma das formas de autoria das professoras e dos professores da Educação Básica. A outra é a aula. Luciano tratou do assunto em algumas ocasiões, como em “Aula, autoria e reconhecimento: implicações para a pesquisa sobre os currículos da escola básica no Brasil”, que compõe o livro em pauta. O texto mencionado trata da noção de autoria, defendida “como uma das importantes dimensões do reconhecimento dos colegas da escola básica” (Faria Filho, 2024b, p. 177). Nessa esteira de pensamento, considerar as práticas de autoria desses profissionais implica “exercícios de reconhecimento pessoal, social e, logo, de fortalecimento político” (Faria Filho, 2024b, p. 181).

Pontua, ainda, que o tema “aula” é amplamente tratado na pesquisa educacional, especialmente pela Didática. No entanto, quando o assunto é a dimensão autoral da aula, são poucos os estudos. Entre estes, há os que consideram-na como texto, “enfoque no qual se sobressai a dimensão autoral e, portanto, de reconhecimento da prática pedagógica dos professores” (Faria Filho, 2024b, p. 183). Elabora, ainda, instigantes questões: 

Se a autoria é uma forma por excelência de reconhecimento, qual poderia ser o papel dos pesquisadores para incentivar e reconhecer as práticas de autoria autonomamente desenvolvidas pelos colegas da escola básica? Não estaria aqui uma estratégia importante de reconhecimento e empoderamento dos professores da escola básica? (Faria Filho, 2024b, p. 181).

Numa das diversas e merecidas homenagens que Luciano recebeu, ele foi nomeado como “pensador engajado” (o que dá título ao livro em destaque) na causa da educação pública e “pedagogo da vida”. Não se constituindo apenas como uma forma bonita de descrevê-lo, essas são adjetivações que dizem bastante de Luciano, instigante professor que, de forma sistemática e intensa, posiciona-se nos debates pelos sentidos da educação, ocupa o espaço público, denuncia e problematiza, ao passo em que cria alternativas, propõe, inventa outras vias de ser e estar na educação. Com uma energia que parece infindável, e que acompanha os inúmeros projetos que coletivamente cria e implementa, Luciano o faz com generosidade e afeto. Em seu modo de funcionar, acolhe e agrega todas as pessoas que pode e consegue. Com uma extraordinária capacidade de perceber e valorizar o que há de melhor em cada pessoa, orquestra com maestria tais qualidades e singularidades, como poucos sabem fazer. Com atenção e respeito, ele ouve de modo qualificado a todo mundo. Age e ensina sobre leveza, no lugar de dureza, nas relações humanas; sobre acolhimento e generosidade, em vez de competitividade; sobre trabalho coletivo e mediação, no lugar do individualismo. 

Em meio a tantos desafios que enfrentamos diariamente na complexa tarefa de formação das novas gerações, seja na universidade, seja na escola básica, é preciso insistir que educar vale a pena, que resistir vale a pena! Que ter alegria e generosidade igualmente valem a pena! Ensinando, por meio de sua atuação e seus escritos, acerca da educação, política, resistência, esperança, partilha, autoria, Luciano apresenta-se e é apresentado no livro em pauta. Um livro, vale dizer, que trata de amizade, de afeto, de cumplicidade, de história. E dentre muitas histórias, a de um Luciano menino, para o qual a escola e alguns de seus professores foram decisivos. Com isso, diz um pouco de nós também, professores e professoras, e do quanto fazemos a diferença para muitos de nossos estudantes – e, ao fim e ao cabo, do quanto de nós acaba permanecendo e vivendo neles, para além do que se pode precisar e dimensionar. 

Finalizo convidando à leitura de Luciano Mendes de Faria Filho: um pensador engajado (Lomba, 2024), especificamente falando, mas também à leitura de Luciano. Para isso, há uma série de escritos seus sobre educação, história da educação e, ainda, literatura. Isso porque ele tem se aventurado, há alguns anos, pelos caminhos literários, produzindo romances e contos. Mas essa é outra história, para outro convite…

Há poucos dias, teria dito Fernanda Torres, após receber o Globo de Ouro de melhor atriz pela atuação no belo, necessário e emocionante filme Ainda estou aqui, que “a vida presta, e muito!”. Conviver e aprender com Luciano Mendes nos faz, igualmente, constatar isso.

Ilha de Santa Catarina, janeiro de 2025.

Referências

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A pesquisa em educação e a qualidade da escola básica: desafios para a pós-graduação. In: Maria Lúcia de Resende Lomba (Org.). Luciano Mendes de Faria Filho – Um pensador engajado. 1ª. ed. Contagem – MG: Editora Escola Cidadã, 2024a. p. 107-121.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Aula, autoria e reconhecimento: implicações para a pesquisa sobre os currículos da escola básica no Brasil. In: Maria Lúcia de Resende Lomba (Org.). Luciano Mendes de Faria Filho – Um pensador engajado. 1ª. ed. Contagem – MG: Editora Escola Cidadã, 2024b. p. 177-187.

LOMBA, Maria Lúcia de Resende Lomba (Org.). Luciano Mendes de Faria Filho – Um pensador engajado. 1ª. ed. Contagem – MG: Editora Escola Cidadã, 2024. 302 p.

VAGO, Tarcísio Mauro. Prefácio. In: Maria Lúcia de Resende Lomba (Org.). Luciano Mendes de Faria Filho – Um pensador engajado. 1ª. ed. Contagem – MG: Editora Escola Cidadã, 2024. p. 7-91.

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